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Cidade do Porto

Porto – a leveza da pedra

Porto – a leveza da pedra

Retirado do Artigo: https://www.opovo.com.br/jornal/opiniao/2017/11/porto-u2014-a-leveza-da-pedra.html

De pedra as paredes da casa, de pedras as ruas, de pedras as igrejas, de pedra a montanha onde a cidade pousou. O que faz essa cidade de pedra ter a leveza de um pássaro? Talvez a luz da manhã de pura prata, alisando o casario ancestral, ou demorando-se para um namoro mais estendido nas praças acolhedoras e nas avenidas mais larga. Nos labirintos das ruas estreitas e anosas, a luz se parte em réstias projetadas nos vidro-espelhos dos casarões, num jogo de temperaturas e brilhos, como se bordassem uma nova renda sobre o tecido do tempo. Ou talvez essa poesia venha da luz doirada do entardecer, num esplendor bordado de matizes lilases, amarelas, violetas, bordôs e ouro.

O Porto não é masculino, como muitos pensam. É uma cidade mulher e por isso deveria se chamar PORTA — lugar de entrada, de pousada e trânsito, onde se misturam culturas e povos, concretude das pedras e levezas de gaivotas em pleno céu. De todas as cidades de Portugal, o Porto parece-me ser a única que estendeu uma mão para o passado e a outra para o futuro, num gesto espontâneo de intuição e razão, mistério e magia. O passado aqui existe apenas para lembrar que as gerações se sucedem, que as culturas se constroem pelos desencontros/encontros dos povos: celtas, ibéricos, fenícios, romanos, árabes, berberes, judeus, negros-africanos, latino- americanos… Capítulos de uma longa história que se reinventa na sua pós-modernidade tardia, entre conflitos e afetos. Porto é uma cidade, ao mesmo tempo, tão provinciana como a mais típica aldeia do Alentejo ou de Trás-os-Montes, e tão cosmopolita como muitas das grandes cidades europeias. Aqui o “ser português” quer se reinventar livre dos nacionalismos tacanhos e da xenofobia, como ser múltiplo, plural, herdeiro de culturas e dos melhores tesouros espirituais da humanidade. E nada mais português do que esse abrir-se para o mundo.

É outono e a Cidade já põe o seu xale colorido, temerosa do inverno que se aproxima. Por ora, a brisa fria desmonta das árvores as folhas caducas, preparando tudo o que irá renascer e florir. O que se percebe nela é um espírito “primaveril”, revelador de um País que se redescobre em esperanças, depois que uma aliança política progressista, de partidos de esquerdas, conseguiu afugentar o conservadorismo de direita e as ideologias neoliberais que destruíam Portugal e o seu futuro. Tudo agora parece respirar liberdade e isso está nas ruas.

Eu gosto da Cidade desperta. Eu gosto desse alarido de sotaques. Ao entrar-se na Escola Superior de Música e Artes do Espetáculo ou na Faculdade de Belas Artes da Universidade do Porto, encontramos jovens de muitos países do mundo, numa babel fraterna que rompe ideologias e fronteiras para reinventar-se no encontro. Não há quem a cidade Porto conheça, sem que se perca em seus labirintos e encontre-se em sua alma. O Porto parece ser um caso de amor, sem solução. Apaixona-se por ela quem a encontra e isso é tudo. “Cá estou contente, pá”.

Rosemberg Cariry

ar.moura@uol.com.br Cineasta e escritor

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