▶️ Vídeo : “PORTO” um filme francês na nossa Invicta
No inverno de 2015, o DN esteve nas filmagens de “Porto”, de Gabe Klinger, e falou com o protagonista, a entretanto falecida estrela de Hollywood Anton Yelchin.
Numa noite de inverno com vento e chuva há uma equipa de técnicos portugueses na madrugada do Porto a preparar um plano para uma cena de um filme chamado Porto, Mon Amour. O filme, entretanto, passou a chamar-se apenas Porto e chega nesta quinta-feira às salas nacionais. Estávamos em 2015 e havia uma luz extraordinária. Uns meses depois, a tragédia bateu à porta e a estrela do filme, Anton Yelchin, morria, aos 27 anos, num acidente em Los Angeles à porta da sua casa. Gabe Klinger, o realizador, e os produtores Jim Jarmusch e o vimaranense Rodrigo Areias viriam a dedicar o resultado final ao jovem ator, que era também estrela de filmes de Hollywood como Star Trek.
Voltando àquela madrugada portuense, Anton Yelchin confessava-nos, cheio de fulgor, a sua paixão pela cidade e pelo cinema português – estava fascinado por Pedro Costa. Nos derradeiros anos de vida, o ator de origem russa não tinha muito tempo livre e apreciava o seu estilo de vida nómada: “Assim que chego a um lugar novo tento assimilar esse estilo de vida. Aqui no Porto encontrei um ritual meu, peço sempre muitas fatias de fiambre de peru… Todos os dias, mal acabo uma noite de trabalho, como sempre pão de forma com esse fiambre. Dá-me uma sensação de conforto. Trata-se da minha maneira de me sentir em casa. E sinto-me tão bem na Baixa, no café Embaixador.”
Em Porto, Yelchin interpreta um americano no Porto que, numa noite mágica, conhece uma bela mulher francesa. Juntos passam uma noite única que os marca para sempre. O tempo passa mas o prazer que tiveram nessa noite de paixão atravessa-se no tempo como uma lembrança que não se esbate. Na cena que o ator se preparava para ensaiar, nada de vital se iria passar. A doce beleza deste Porto é que nada de empolado ou dramático se passa. É um filme de moods e de bate-corações interiores.
A deslumbrante paisagem negra da cidade e dos rostos dos atores diz tudo. Provavelmente por isso, Yelchin está sereno e apaziguado numa tasquinha no centro da cidade e vai dizendo que não poderia estar mais encantado com a equipa de O Bando à Parte, de Guimarães, produtora que conseguiu financiamento direto com a Câmara Municipal do Porto (desde de 2002, ano em que John Malkovich filmou Javier Bardem e Alexandra Lencastre no filme Em Clandestinidade, que a Invicta não recebia uma produção internacional a sério…): “A par disso tudo, sinto no Porto uma qualidade medieval, como se toda a história da cidade se misturasse. Passa muito por estes edifícios não estarem recuperados. Não sinto aqui muita exploração turística. Esta paisagem tem uma beleza muito própria, sobretudo quando o nevoeiro se instala. Meu Deus! A luz aí é tão bela!”
Em 2016, em setembro, em pleno Festival de San Sebastián, Portoestava selecionado para a competição dos Cineastas do Presente e o realizador de Chicago, Gabe Klinger, luso-americano, contava-nos num perfeito português o quão triste era estrear mundialmente o filme sem a presença do seu ator e salientava a sua cinefilia: “Devido aos pais, o Anton já via filmes do Tarkovski aos 7 anos. Qualquer paragem nas filmagens nós os dois aproveitávamos para ver filmes juntos. Ele adorava aprender, considerava-se um aluno. Queria saber tudo sobre cinema.” Na realidade, Anton, mesmo antes do acidente mortal, estava a preparar a sua estreia como realizador. Das coisas mais poderosas desta pequena pérola é a requintada sensibilidade da melancolia do ator.
Se Porto é a estreia na ficção de Gabe Klinger, os portugueses já conheciam a sua marca como documentarista em Jogo Duplo: James Benning e Richard Linklater (2013), com pós-produção também de Rodrigo Areias, uma evocação sobre cinefilia aguda no Texas. E é o próprio quem afirma que a disponibilidade dos portugueses é diferente de uma equipa americana: “Se fizesse este filme com uma equipa americana teria de estar preocupado com os sindicatos e todas essas questões de horários… Mas em Porto foi engraçado sentir as diferenças culturais entre os americanos e os portugueses. Uma semana depois de começarmos a rodar, aquilo já era uma família!”
Se Anton Yelchin fala da luz da cidade, Klinger não a deixou por mãos alheias. Há planos da cidade com uma intensidade única, seja em que formato for (o filme mistura sabiamente 16 mm, 35 mm e um sujo Super 8) e nunca se cai na tentação da medida de bilhete-postal. “Fico meio espantado com o facto de esta cidade não estar tão filmada. Tem uma luz de inverno incrível. Tanto pode chover muito e depois abrir. Depois há toda aquela névoa… Isso está no filme e para o nosso mood melancólico ajuda imenso.” Ajuda tanto que logo a seguir a San Sebastián foi convidado para dezenas de festivais internacionais e em novembro finalmente estreia nos EUA, depois de críticas quase todas favoráveis.
“Sinto que é um filme que os americanos vão ver como se fosse uma obra europeia. A sensibilidade de Porto está mais próxima de um filme francês”, diz o realizador. Um filme “francês” com travo a francesinha.