A lista de espera de famílias candidatas a habitação social no Porto ultrapassa o milhar de pretendentes e afigura-se pouco provável que vá baixar nos próximos anos. A resposta da Domus Social, a empresa municipal que gere o parque habitacional social, tem vindo a alojar “cerca de 300 moradores por ano”, segundo o vereador Fernando Paulo, mas a capacidade da Câmara do Porto “é finita sem financiamento do Estado”.
Ana Pinho, secretária de Estado da Habitação, subiu esta quinta-feira ao Porto para participar na sessão pública sobre as ‘Ilhas do Porto’ e anunciar o recém-aprovado programa 1.º Direito, que visa garantir até 2024 “uma casa condigna” para as mais de 26 mil famílias que vivem em habitações degradadas.
“No Porto são mais de 10 mil os residentes a viver em condições indignas em Ilhas ou em situações de exclusão, e o 1.º Direito é uma solução de resposta pública para resolver os problemas de acesso à habitação”, afirmou Ana Pinho, que lembrou que as Ilhas foram um dos seus temas de estudo enquanto aluna da Faculdade de Arquitetura do Porto. Em traços largos, a secretária de Estado revelou que o programa destina-se a apoiar os proprietários, “públicos ou privados”, que queiram aceder a financiamento para reabilitação: até 50% a fundo perdido, 10% para acessibilidades e o resto através de empréstimos bonificados.
Em troca, o beneficiário terá de assegurar a permanência dos moradores a rendas acessíveis, “apoios sempre dependentes do aval dos municípios”. “Já tem um instrumento público para reabilitar”, atirou Ana Pinho ao presidente da Câmara do Porto, após Rui Moreira ter-se queixado de que a dimensão do fenómeno das Ilhas e habitação social no Porto – que atinge 13% da população – é demasiado complexo e pesado para a intervenção do município sem a comparticipação do Governo.
UM PROBLEMA COMPLEXO
Rui Moreira lamentou que os partidos representados na Assembleia Municipal o tenham “deixado a falar sozinho” quando reivindicou faltade apoio para reabilitação urbana. Elogiou o PCP por ter levado à Assembleia da República um projeto para as Ilhas do Porto, fazendo-as emergir, sendo, contudo, parco na defesa do programa 1.º Direito, ainda a carecer de portarias para ser operacionalizado.
Apesar do apoio ser bem-vindo, Artur Ribeiro, deputado do PCP na Assembleia Municipal, desconfia que os proprietários que adiram ao 1.º Direito mantenham os inquilinos com rendas acessíveis após a requalificação ou não venham a “privilegiar novos moradores com mais poder económico”. O deputado, conhecedor da realidade das Ilhas há muitos anos, duvida ainda que, mesmo com a agilização processual da autarquia, os proprietários, “muitas vezes eles próprios em dificuldades”, não cedam à sedução de vender a fundos imobiliários as Ilhas “até agora esquecidas e que acabarão no alojamento local”.
A cobiça pelas Ilhas mais centrais mas fora da Área de Reabilitação Urbana, a mais diretamente controlada pelo Executivo, já tem precedentes na zona do Bonfim e de São Víctor, transformadas em residências turísticas, “como a da Rua de São Brás vendida por 1,2 milhões de euros”. Manuel Pizarro reconhece que nos casos das Ilhas privadas é complexo travar a venda, sobretudo quando estão desocupadas ou “com moradores sem contrato ou sem capacidade negocial”.
O vereador do PS, que no anterior mandato deteve o pelouro da Habitação e Ação Social, elogia a iniciativa legislativa 1.º Direito mas defende que o Executivo de Rui Moreira e o Governo têm de ir mais além “para acautelar que os moradores não sejam expulsos das ilhas ou que 50% dos fogos reabilitados pelos privados, através de financiamento a fundo perdido e juros bonificados, não seja para habitação popular com rendas controladas”.
Numa visita guiada, na quarta-feira, pela administração da Domus Social a cinco Ilhas do Porto, Fernando Paulo fez questão de salientar que nas três Ilhas pertença do município a habitação “indigna” tem os dias contados. A da Bela Vista, no coração do Porto, foi a primeira a ser requalificada através de um empréstimo à reabilitação (1,3 milhões de euros), albergando 35 casas de maiores dimensões do que os 43 fogos deitados abaixo em 2014.
Hoje estão todas ocupadas e os moradores estão maioritariamente contentes. Elizabete Santos, desempregada, 43 anos, a viver na Ilha que conhece desde criança do Rendimento Social de Inserção, paga de renda 28.49 euros. Habita um T1 pequeno, com casa de banho interior e duche de água quente, “ao contrário de muitas pessoas que vivem em ilhas, que é tudo comum”.
A Ilha do Bonjardim, também localizada na Baixa e deserta há anos, será reaberta em setembro, disponibilizando nove habitações – seis T0, dois T1 e um T2 duplex – de rendas acessíveis, a fixar consoante os rendimentos das famílias, selecionadas da lista de mil famílias carenciadas à espera de casa. A requalificação contou com um investimento municipal de 400 mil euros. Situada na zona do Bonfim, tem por vizinha a Ilha Amarela, propriedade da Santa Casa Municipal de Lamego, que tem projetado reabilitá-la para residência de estudantes.
ILHAS MUNICIPAIS: UMA GOTA NO OCEANO
Na última das Ilhas municipais, a centenária Cortes, em Requezende, vivem dois casais, que desesperam há anos por obras nas suas casas-cubículo. “Não caíram porque temos arranjado uma coisas aqui e ali”, diz Fernando Moreira, 66 anos, reformado, nascido e criado na Ilha e onde viu crescer os dois filhos. Antigo funcionário da PT, paga 43 euros de renda e está até disposto a pagar um pouco mais depois da prometida regeneração anunciada para o final do ano, um investimento de 200 mil euros na edificação de um T3 e três T1.
“Isto está em muito mau estado, ajeitei uma casa de banho dentro de portas e um portão para Ilha, mas prefiro viver assim a mudar-me daqui para um bairro”, confidencia Fernando Moreira, sentimento partilhado pela mulher e vizinhos. A localização, o sossego, a boa vizinhança e espírito de entreajuda são algumas das razões invocadas por quem não quer partir das Ilhas para os densos bairros sociais, construídos a partir do meio do século passado na periferia para acolher os ilhéus minados pela asma e infestações.
POBRES, DESEMPREGADOS E POUCO QUALIFICADOS
Apesar da requalificação levada a cabo no município, ao todo são menos de meia centena de habitações de cara lavada e maior conforto, uma gota de água no oceano que alberga o arquipélago de 957 ilhas do Porto e 4900 fogos, que servem de teto a 10.400 ilhéus, que representam 5% dos moradores da cidade. “A Câmara está empenhada desde a primeira hora em resolver os problemas precários de habitação das famílias mais carenciadas, mas sem políticas públicas de habitação é impossível”, afirma José António Ferreira, coordenador do Gabinete de Estudos e Planeamento da Domus Social.
Segundo o relatório ‘Ilhas do Porto’ – obra de levantamento e caracterização das típicas ilhas da Invicta –, o ilhéu portuense-tipo tem 53 anos de idade média, é desempregado ou reformado, pouco qualificado, analfabeto (9%) ou com o 4.º ano de escolaridade, e baixo rendimento. Num inquérito efetuado entre 2015 e 2016, mais de 60% dos moradores, apesar das más condições, não querem mudar de local de residência, indicando como positivo o enraizamento, a boa localização, comércio e serviços de proximidade e boa rede de transportes que servem as Ilhas.
Perante a crescente pressão imobiliária no Porto e consequente aumento do preço dos alugueres, regista-se nos últimos anos uma nova procura pela habitação nas Ilhas escondidas por trás de antigas casas da pequena burguesia portuense e a que se acede por um esconso corredor. Entre os novos moradores, contam-se, sobretudo, imigrantes vindos do Leste e Brasil.
artigo original EXPRESSO: http://expresso.sapo.pt/sociedade/2018-07-06-Ilhas-do-Porto-vieram-a-tona.-Para-moradores-ou-turistas-#gs.QQbyWbI