O Porto está em destaque num extenso artigo da revista alemã “Der Spiegel” intitulado “Paraísos perdidos: Como os turistas estão a destruir os locais que amam”, no qual também se lê sobre cidades como Barcelona (Espanha) e Veneza (Itália).
O “cartão de visita” apresentado a um dos autores do texto, na receção de um hotel portuense, apontam o centro histórico, o rio Douro e a famosa Livraria Lello, com referência às visitas frequentes de J.K. Rowling quando viveu na cidade nos anos de 1990 e que serviu de inspiração à saga do jovem feiticeiro Harry Potter.
À chegada à centenária “catedral dos livros” sobressai a longa fila de visitantes de diferentes países como Japão, Escandinávia, França, China, Estados Unidos e Alemanha. Mas para entrar é preciso aguardar numa outra (longa) fila – “com barreiras de controlo como no chek-in do aeroporto” – para adquirir o bilhete de entrada, no valor de cinco euros, que é possível descontar em compras de livros. A “Der Spiegel” reconhece que no interior “a livraria é tão bonita como nas imagens” que a tornaram uma atração turística – mais de sete mil só no site TripAdvisor – mas, refere, os visitantes, mais do que comprarem livros, aproveitam a visita para tirar fotografias nos “smartphones”.
E o artigo explica que há quatro anos a Lello estava à beira da falência, “não tinha falta de visitantes, o problema era que as pessoas compravam cada vez menos livros”. Foi então que alguém sugeriu que a loja deveria começar a cobrar uma taxa de entrada de cinco euros. “Pode ter parecido uma loucura na época, mas atualmente quatro mil pessoas visitam a Livraria todos os dias enquanto, durante o verão, o número de visitantes sobe para cinco mil. A loja teve 1,2 milhão de visitantes em 2017 e faturou mais de sete milhões de euros”.
A “Der Spiegel” diz que a Livraria Lello, “em última análise, parece mais um museu ou um cenário de teatro do que um local real” e é por isso que a dá como um exemplo “da natureza predatória do turismo moderno – um estilo de viagem que devora todos os lugares bonitos”.
Para os residentes do Porto, a Livraria é um reflexo do crescimento económico dos últimos anos, impulsionado pelas viagens “low cost” de empresas como a Ryanair e EasyJet. Lê-se no artigo da revista alemã que no ano passado 2,5 milhões de turistas estrangeiros visitaram a região e metade deles foram ver a Lello. Por outro lado, as plataformas digitais de reservas de viagens e comparação de preços facilitaram o processo e tornaram as férias ou “escapadinhas” muito mais baratas.
Apesar deste aumento massivo de turistas, a “Der Spiegel” escreve que o Porto continua a acolher os visitantes de braços abertos. Mas o jornalista questiona-se sobre quando é que um portuense terá visitado pela última vez a Lello. “Os residentes do Porto também têm de aguardar na fila e pagar cinco euros?”.
O artigo exemplifica ainda a “destruição” dos locais mais bonitos dos destinos turísticos com a “transformação em museus e parques temáticos” e a criação de “zonas para turistas, onde os moradores até podem trabalhar, mas certamente não vivem”. E exemplifica: “os turistas sentam-se em restaurantes tradicionais desprovidos de moradores enquanto observam outros turistas”. “Às vezes, realmente parece uma invasão turística. Eles vêm, ficam pouco tempo e depois vão embora, mas agem como se fossem donos das cidades que visitam”.
A “Der Spiegel” conclui que “os residentes (…) são talvez os maiores perdedores” e em algumas cidades europeias já começam a sentir-se ameaçados pela invasão de turistas e como parecem estar a controlar tudo. Em Maiorca (Espanha) ativistas escreveram “vão para casa” em muitos locais frequentados por turistas. Em Palma até lhes atiraram excrementos de cavalo. Em Barcelona empurraram ciclistas em passeio e insultaram estrangeiros nos cafés. Na cidade de Veneza (Itália), autoproclamados piratas impediram a entrada de navios de cruzeiro no porto local.
“O turismo é um fenómeno que gera muitos lucros privados mas também muitas perdas sociais”, defende Christian Laesser, professor de turismo na Universidade de St. Gallen, na Suíça.
Além disso, as infraestruturas do setor estão a sentir a pressão da massificação do turismo – estima-se que 670 milhões de pessoas tenham viajado na Europa no ano passado e só neste verão serão cerca de 200 milhões. A revista alemã aponta o caos nos aeroportos do país com cancelamentos de voos na ordem dos 146% na primeira metade do ano e 31% de atrasos registados.