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A história de vergonha da Ilha do Frade


Dizer ilha é um pretensiosismo. Aquilo nem ilhota chega a ser. Quando muito trata-se de uma língua de terra, digamos assim, rodeada de água por todos os lados. Mas esta é a definição oficial para ilha? Então em que ficamos? Pronto, chamemos-lhe ilha – embora aquilo não passe de uma pequena reserva ornitológica situada na margem direita do no rio Douro no antigo sítio do Ouro, denominado, agora, oficialmente, de largo de António Calém. conhecida por “ilha do Frade”.

A esta altura da crónica já estou a ouvir o leitor impaciente perguntar, e com toda a razão: “… e o que é que a ilha tem de interesse, como história portuense?“. E nós respondemos: no nome – “ilha do frade”.

E a este nome anda ligada uma curiosa lenda. Que se passa no tempo alegre dos conventos e que é esta:

Na margem esquerda do rio Douro, sensivelmente em frente a Massarelos, não muito longe da ilha, branquejava na sua imponência o mosteiro de Santo António do Vale da Piedade de frades franciscanos. O porteiro era um garboso rapaz que, sendo embora leigo, vestia o modesto hábito de estamenha dos seguidores de Francisco de Assis. Era ele que fazia a ligação entre o convento e o exterior.

Ora entre as pessoas que por regularmente apareciam na portaria conventual contava-se uma airosa rapariga que todas as manhãs ia levar o leite destinado ao consumo dos frades. Aqueles contactos diários da jovem leiteira com o rapaz encarregado da vigilância da porta do convento deram a volta à cabeça do moço noviço que, certo dia, arranjou forças para dizer à moça que gostava dela, que não tinha ordens, ou seja, que não era frade e podia em qualquer altura deixar o mosteiro e casar. E que se ela estivesse pelos ajustes…

A moça não disse que sim nem que não. Que ia pensar e que no dia seguinte lhe dizia alguma coisa. Ela tinha um namorado a quem contou o que se passara à porta do convento. E o namorado, matreiro, engendrou um sistema e industriou a rapariga para que dissesse que sim ao porteiro do convento e que o informasse de que ao fim do dia um barco iria recolhê-lo à lingueta que servia o convento e o levaria até ela. E assim aconteceu.

Pelas trindades o barco surgiu do meio da densa neblina que pairava sobre o rio. Sem haver qualquer troca de palavras entre o barqueiro e o “frade”, este entrou acomodou-se e esperou. E não esperou muito. Minutos volvidos o barco atracou em terra e o frade saltou na convicção de que a sua Dulcineia estava por ali á sua espera, como fora combinado pelos dois.

Só que a moça não aparecia. Ele bem chamava, mas não obtinha resposta. A névoa tornara – se cada vez mais densa e, para agravar, a noite caiu, escura como breu. Para onde quer que se movimentasse o noviço só encontrava água. Sentou-se à espera. Adormeceu e quando o dia clareou é que se deu conto do logra em que caíra. Estava prisioneiro numa ilha ante o gáudio do casal de namorados que gozava o espectáculo da margem.

Diz a lenda que já passava muito do meio-dia quando um barco do convento veio recolher o pobre frade.

Ainda hoje as pessoas chamam àquela nesga de terra a ilha do frade…

autor: Germano Silva – VISÃO

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