Entre os dias 17 e 25 de Dezembro de 1909, as águas do Douro sobem de nível e a sua corrente arrasta tudo o que encontra.
Em tempo de Natal a tragédia aconteceu. Havia já alguns dias que a chuva caía copiosamente.
Nesse tempo o rio Douro não tinha barragens para lhe moldarem a rudeza do carácter e lhe domesticarem as suas águas bravas.
O Douro apenas obedecia às ordens da sua mãe: a Natureza.
Para portuenses e gaienses o Natal de 1909 foi terrível.
Na Madrugada de 21 de Dezembro detectou-se uma subida do rio, fora do normal. No Cais dos Guindais, no Porto, onde os rabelos descarregavam os produtos agrícolas vindos do Alto-Douro, estava tudo inundado. As balanças e os guindastes para o descarregamento das mercadorias, tinham só a parte superior de fora.
Durante a tarde afundam-se duas barcaças no lado de Gaia, com elas desaparecem os carregamentos que traziam toros de pinheiro e de carvão. Eram horas de expectativa e muita ansiedade. A chuva continuava a cair com intensidade, sem parar. A maré subia e invadia com suas águas os estabelecimentos comerciais e habitações das zonas ribeirinhas do Porto e de Gaia.
Em Gaia mais 11 barcas de carga eram arrastadas pela corrente, acabando por se despedaçarem contra os vapores fundeados no Cais do Cavaco.
Na manhã do dia 22, o mercado ribeirinho da Gaia «fugira» para a Rua Direita. No Porto, a Praça da Ribeira estava meia encoberta de água.
Entretanto, da Régua chegava um telegrama nada animador, que informava que o Douro continuava a crescer. Nesse dia perderam-se mais de 60 barcas de carga, a maior parte foi barra fora. Uma delas, carregada de toros de pinheiro, engatou à passagem nos cabos que seguravam o iate inglês “Ceylon” e levá-lo-ia até à desgraça, não fora a intervenção corajosa de alguns pescadores da Afurada. Ao fim do dia, no Porto, a Praça da Ribeira, estava submersa. Na noite desse sinistro dia 22 de Dezembro, o céu estava negro, o vento sul soprava demolidor, as águas corriam fortes e barrentas.
A medição da velocidade do caudal registava as 11 milhas horárias, entretanto um novo telegrama chegava da Régua, o qual dizia que as águas continuavam a subir, sem parar.
Era a catástrofe.
Às primeiras horas do dia 23, o rio galgava o Muro dos Bacalhoeiros, no Porto. O pânico estava instalado entre os moradores das duas margens do Douro. A força das águas arrastou tudo, a Foz parecia um cemitério de restos de embarcações.
Ao meio-dia, com a preia-mar, o nível do rio estava a cerca de 80 centímetros do tabuleiro inferior da ponte Luís I. È programada a demolição deste com explosivos. Está batido em um metro o recorde das cheias de 1860.
Os episódios trágicos multiplicam-se.
No início da tarde, perante os olhares atónitos dos milhares de pessoas que se encontravam nas margens, um pequeno bote faz a sua descida para a morte — no interior apenas um vulto, o de um homem, vindo sabe-se lá donde, de joelhos, as mãos postas a bradar a Deus e aos homens que o salvem. Num repente, defronte da Alfândega, a embarcação vira-se e é engolida, desaparecendo para nunca mais ser vista.
Em Gaia, um comerciante, proprietário de muitas barcas afundadas, enlouquece e dá entrada no Hospital do Conde de Ferreira. As notícias da época falam de suicídios, gente que ficou na miséria e desesperou.
Ao anoitecer do dia 23, a chuva e o vento abrandam.
Na manhã do dia 24 a cheia retrocede. No dia 25 o Sol brilha radioso. Podia-se enfim, dar atenção ao Natal e aos desafortunados moradores ribeirinhos que tinham ficado sem lar.