Um abaixo assinado, que tem por objetivo opor-se a “poderes” e “formas de opressão”, iniciado na sequência de um alegado caso de censura, no Teatro Municipal do Porto, reúne hoje várias centenas de assinaturas, quatro dias após o arranque.
O documento tem como primeira assinatura a da escritora, dramaturga e poeta Regina Guimarães, no centro da polémica, por causa de um texto da sua autoria, escrito para a folha de sala do espetáculo “Turismo”, de Tiago Correia, que não chegou a ser distribuída, reunindo já mais de 300 nomes, através de um formulário disponível na Internet.
Datado de 22 de fevereiro, o abaixo assinado intitulado “Declaração” arranca com um poema de Sophia de Mello Breyner Andresen, “Pranto pelo dia de hoje”, em cujos primeiros versos se lê: “Nunca choraremos bastante quando vemos/O gesto criador ser impedido”.
O texto lembra a Declaração Universal dos Direitos Humanos como tendo nascido para “dotar os cidadãos de mecanismos universalmente reconhecidos de defesa contra o(s) poder(es) e as formas de opressão”.
Os abaixo assinados declaram, assim, não dar cobertura, por “silêncio ou indiferença”, a “atos de censura cometidos a pretexto de proteger a reputação e os interesses de indivíduos ou grupos de indivíduos ligados ao poder”.
Outras críticas visam o assédio laboral e chantagem sobre condições de trabalho, pedidos de “obediência cega e sigilo coagido”, posturas e procedimentos “de controlo autoritário dos criadores e dos processos de criação viabilizados por fundos públicos”, por parte de responsáveis culturais, e outras “alterações notórias da civilidade no trato e da cordialidade devida aos criadores”.
No final, os promotores garantem que a declaração “será enviada para o Presidente da República, primeiro-ministro e ministra da Cultura”, num documento ‘online’ cuja lista de assinaturas é atualizada diariamente.
Entre os signatários, maioritariamente do campo da Cultura, estão nomes como a atriz Sara Barros Leitão, que declarou entretanto ter tido um projeto cancelado no Teatro Municipal do Porto, nomes como a atriz Maria João Luís, os cineastas Teresa Villaverde e Fernando Vendrell, vários encenadores e o deputado do Bloco de Esquerda José Soeiro.
A estes somam-se o nome de Tiago Correia, encenador da peça no epicentro da polémica, e nomes do cinema, como Saguenail e António Roma Torres, além do antigo diretor artístico do Teatro Nacional São João Nuno Carinhas, e do encenador Jorge Silva Melo, fundador dos Artistas Unidos.
Outra das assinaturas pertence ao coletivo Comissão de Profissionais das Artes, criada em 2019 na sequência do novo modelo de apoio às artes por parte da Direção-Geral das Artes (DGArtes), assim como o compositor Fernando Lapa e o artista Miguel Januário, que assina ‘mais menos’.
No dia 03 de fevereiro, a dramaturga Regina Guimarães acusou a direção do Teatro Municipal do Porto de censurar um texto da sua autoria, escrita para a folha de sala do espetáculo “Turismo”, da Companhia A Turma, com texto original e encenação de Tiago Correia, que esteve em cena nos dias 31 de janeiro e 01 de fevereiro, no Teatro do Campo Alegre, no Porto. A folha não chegou a ser distribuída.
Numa primeira reação, na madrugada do dia 04, Tiago Guedes, em declarações à Lusa, garantiu que o texto da dramaturga não tinha sido publicado com a concordância do encenador do espetáculo, e que o mesmo tinha até lhe pedido desculpa.
Contudo, essas declarações foram desmentidas, no próprio dia, pelo encenador do espetáculo Tiago Correia, numa publicação na rede social Facebook, onde acusou o diretor do Teatro Municipal do Porto de “chantagem emocional, coação, ameaça e abuso de poder”.
O diretor do Teatro Municipal do Porto admitiu depois que foi “um erro” não publicar o texto de Regina Guimarães, ainda que a intenção não tenha sido limitar a liberdade de expressão, mas defender a memória do ex-vereador Paulo Cunha e Silva, já morto.
Mais tarde, a 10 de fevereiro, o presidente da Câmara do Porto, que detém a pasta da Cultura, reiterou a confiança no diretor do Teatro Municipal, depois de ouvido o responsável num encontro privado e informal.
Na passada quinta-feira, dia 20, a escritora Regina Guimarães demitiu-se do Conselho Municipal de Cultura da Câmara do Porto, decisão que comunicou por carta ao presidente da autarquia, e que tem a ver “com os acontecimentos recentes, com a questão da censura, com o facto de que o próprio conselho (…) não ter julgado prioritário reunir-se por uma coisa destas”, como então disse à Lusa.
Rui Moreira lamentou a demissão da escritora, por entender que a contribuição da escritora para o conselho “vai fazer falta”, adiantando que nunca lhe pediu, quando a convidou, que “avalizasse fosse o que fosse”.
Numa carta endereçada a Regina Guimarães, a que a Lusa teve acesso, Rui Moreira lembrou que a escolha dos conteúdos é uma competência exclusiva dos diretores artísticos, acrescentando que não é do presidente da câmara, nem da autora, nem aleatória.
Na segunda-feira, Carla Miranda e Vânia Rodrigues juntaram-se a Regina Guimarães na demissão deste Conselho, e o Sindicato dos Trabalhadores de Espetáculos, do Audiovisual e dos Músicos (Cena-STE) exigiu um “esclarecimento público” do Teatro Municipal do Porto sobre os factos, relatados durante o último mês.
Artigo Fonte: LUSA