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A Formação em Videojogos e o Mercado

Com a normalização dos videojogos, é consequente que surjam oportunidades de formação nesta área, com a adesão de várias faculdades no país. Enquanto antigamente, um developer nascia de um mero hobby, já é possível escolher o gaming como uma opção primária, embora o mercado se mantenha competitivo e com imensa dedicação a aguardar.

Após o artigo de apresentação da Ground Control e a entrevista com a Once a Bird, é a vez de abordar a educação aplicada ao mundo dos videojogos. Contar-se-á não só com um diálogo moderado entre dois professores do ISMAI/IPMAIA ligados ao curso de videojogos, mas também com testemunhos de alunos com formação em jogos digitais sobre o estado do gaming, as dificuldades dentro do curso e a entrada do mercado.

Do ISMAI/IPMAIA, Jaime Fins e Ricardo Mota são dois docentes dedicados ao curso de videojogos. Ambos já experimentaram o terreno acidentado do mercado e enquanto o Jaime se foca apenas na tutoria e no ensino, o Ricardo está ligado ao desenvolvimento do jogo Thunder Tier One com a dev Thunder Team. Trata-se de um shooter tático visto de cima, e está neste momento em fase de testes. Também tem, em conjunto com outros colaboradores, um canal de Youtube chamado Rubber Chicken TV, onde se debate temas ligados ao gaming.

Com as introduções concluídas, segue-se a conversa entre estes dois professores que trocaram experiências e opiniões sobre as condições dentro dos cursos ligados aos videojogos e a indústria nacional.

Tão importante como conhecer a visão de quem já conhece este mundo, é conhecer as expetativas da futura geração. A Rádio Portuense Gaming procurou saber como pensam alguns alunos ou ex-alunos sobre a importância destes cursos e as primeiras impressões do mercado.

Fábio França, 3º Ano de Videojogos e Aplicações Multimédia na Universidade Lusófona do Porto

Finalista da Universidade Lusófona do Porto que teve “os seus primeiros licenciados no final do ano letivo passado” e recomendado para dar o seu testemunho, Fábio começa por explicar a sua opinião sobre a importância que os cursos de videojogos têm para quem quer ingressar nesta área, mas também aborda os desafios na entrada do estudante no mercado de trabalho, e por fim, a sua impressão do mercado nacional em si.

“Muitos aspirantes a game developers têm a vontade e o interesse de começar a desenvolver jogos, mas lhes faltam aquele primeiro empurrão.”

O estudante brasileiro começa por explicar que o curso funciona “como uma mão amiga, que nos guia pelas diversas áreas envolvidas no desenvolvimento de videojogos, proporcionando uma experiência esclarecedora e ampla sobre elas e sobre nós mesmos”, oferecendo assim, um “primeiro empurrão” a quem já tem este interesse, e ajuda a decidir se de facto é este o sonho do aluno. Para além disso, oferece o ambiente ideal para o estudante e a sua vocação, onde poderá “estar diariamente rodeado de pessoas com as mesmas aspirações, falando, estudando e respirando videojogos todos os dias da semana”, resultando assim numa maior motivação, já que não haverá solidão no game dev, muito menos sacrifício dos tempos livres.

Outro ponto importante é o desenvolvimento de capacidades de trabalho de equipa, algo “crucial para qualquer desenvolvedor de jogos”. Fábio usa o exemplo de Eric Barone, que desenvolveu Stardew Valley sozinho, e que “precisou eventualmente de saber trabalhar com outras pessoas quando chegou a hora de entrar em contato com publishers para o lançamento do jogo”. Por fim, e como um ponto relativamente menos positivo, aponta para a pressão criada pelas “datas limite para projetos e a necessidade de acumularmos nota suficiente no final do semestre” que ativa os “nossos sensos de obrigação e responsabilidade”. Enquanto que abandonar um videojogo em casa não causa “grandes consequências”, abandonar um projeto numa faculdade resulta em “perda de tempo e dinheiro”.

“O aluno precisa olhar para a sua concorrência como um todo e perceber como se sobressair.”

Não estando ainda inserido no mercado de trabalho, Fábio explica que a conclusão que tira da observação de alunos já licenciados e professores é que “todos os discursos são iguais: os estudantes são muitos e as vagas são poucas”, onde o segredo para o contrato é “olhar para a sua concorrência como um todo e perceber como se sobressair”. Para reforçar esta ideia, faz referência a um professor seu que acredita que o foco é “almejar ser o melhor da área em que você se propõe a oferecer seus trabalhos”, e não limitar-se a ser o melhor num “pequeno espaço amostral”.

Apesar de competitiva, a comunidade de Game Dev em Portugal é “bastante unida” e prova disso são os eventos criados para developers e aspirantes, onde se partilham experiências e conhecimento, tal como o Game Dev Meet Porto que ocorre mensalmente, embora que atualmente seja online tendo em conta a situação pandémica atual. Fábio também menciona as GameJams que consistem na formação de equipas para se completar um jogo em 48 horas. Estes eventos são “uma ótima forma de inserção do estudante no mercado de trabalho, uma vez que nesses meios podemos encontrar oportunidades, receber feedback sobre nossos projetos (pessoais ou académicos) e conhecer pessoas que nos podem auxiliar em nosso caminho”, acrescenta.

“Fazer jogos em Portugal não é fácil, mas também não é impossível. E cada dia fica mais possível.”

Sobre as suas primeiras impressões, Fábio França indica que “o mercado português de videojogos é uma força bivalente em crescimento”, e embora haja uma maior predominância de empresas de menores dimensões, estas poderão ser consideradas como um ponto de partida para fornecer “ao recém-licenciado aquilo que ele mais precisa: experiência real.” O estudante da Universidade Lusófona revela que no seu curso, o Unity é o motor mais utilizado, “o que acaba por ser vantajoso para nós estudantes” já que também é utilizado por empresas mais pequenas e facilita a transição para o mercado. Um dos motivos por esta preferência é a sua complexidade e curva de aprendizagem que, comparando com a Unreal, é menor.

Um dos grandes fenómenos da indústria de videojogos portuguesa é a migração de talentos nacionais para empresas estrangeiras, mas o desenvolvimento de “grandes e ambiciosos títulos”, que se torna cada vez mais frequente, “vai ajudando aos poucos a acabar com a necessidade do desenvolvedor de se ver forçado a exportar sua mão de obra para estúdios espalhados por países onde o mercado já é mais aquecido e inclusive tem mais incentivos do governo”, opina. Tendo-se mudado do Brasil para Portugal há menos de 3 anos, Fábio admite que o mercado português ainda é algo “novo”, mas que durante esse tempo já assistiu a “tantas histórias de sucessos como de fracassos”.

Fábio França demonstra ser um “finalista preocupado com meu futuro” apesar de confiar no seu otimismo quando diz que “fazer jogos em Portugal não é fácil, mas também não é impossível, e cada dia fica mais possível”. Finaliza a entrevista promovendo a esperança para todo o Game Development português: “os dias mais negros do mercado português de videojogos se encontram no passado, e agora é a hora de crescimento e coisas boas”.

João Ferreira, 5º ano de Engenharia Informática na FEUP

Alternando de faculdade sem sair do Porto, João Ferreira apresenta para a Rádio Portuense a sua perspetiva sobre o desenvolvimento de videojogos dentro da formação. Em conjunto com a sua equipa (Fernando Alves, João Carlos Maduro e João Augusto Lima), desenvolveu Overtime, um jogo que mexe com o tempo e explora mudanças entre dimensões, para uma cadeira do seu Mestrado Integrado em Engenharia Informática.

“O curso de jogos em si não é necessariamente o mais importante, mas que a faculdade e as restantes cadeiras permitam o desenvolvimento de jogos como projeto”

João inicia esta entrevista a retirar alguma importância necessária ao curso de jogos em si, indicando que é mais crucial “que a faculdade e as restantes cadeiras permitam o desenvolvimento de jogos, ou aplicações semelhantes, como projeto”. Revela que, antes de ter começado a sua cadeira de Jogos, foi ganhando experiência ao criar “jogos de pequena escala como parte de outras disciplinas”. Valoriza, portanto, o trial and error como obtenção de conhecimento em game design, que permite mais facilmente perceber “que tendências são boas e más” e que falhas encontrar em jogos que já estão introduzidos no mercado.

O aluno de Eng. Informática reforça a sua ideia, indicando que apesar dos cursos de videojogos oferecerem um bom e “dedicado” ambiente de desenvolvimento, acabam por não ser o ponto mais importante. “Prática a fazer é a melhor coisa de se aprender. É preciso desenvolver muito lixo até lançarmos alguma coisa de que nos orgulhamos”, completa.

“A diferença nas aulas (causada pelo Covid) não foi muito dramática”

Abordando o tema mais universal nos dias de hoje, João Ferreira, por ser estudante de informática, admite que o impacto das aulas à distância foi “relativamente mínimo”. As apresentações e a teoria nas aulas passaram a ser feitas pelo Discord e embora que aulas presenciais permitissem uma interação mais “personalizada”, a “diferença não foi muito dramática”.

Lamenta sim, a perda de oportunidade em poder demonstrar os seus jogos em eventos e feiras. Os grupos na sua turma que se destacassem na qualidade de game development teriam “direito a uma banca na Lisboa Games Week”, e foi no adiamento destes eventos que o Covid teve mais influência. O grupo do João, que ganhou este “concurso” com o Overtime, poderá nem mostrar o jogo numa banca na LGW no próximo ano.

“Aprender a trabalhar com tecnologias é sempre desafiante, mas raramente é muito problemático”

Sobre os desafios encontrados durante as aulas, João indica que a maioria envolve o seu projeto em particular. A determinação da escala e do protótipo foram vistos como um desafio, embora seja “mais no sentido de não nos querermos entalar mais tarde com trabalho a mais e um projeto incompleto. Ideias divertidas não nos faltavam”. Foi necessário investir tempo a “ver tutoriais e afins” para aprender a usar programas como Blender para modelos a 3D, mas não foi “uma questão de dificuldade”. João Ferreira garante que “aprender a trabalhar com tecnologias novas é sempre desafiante, mas raramente é muito problemático”.

Falando do seu projeto em específico, o Overtime, o desenvolvimento da mecânica central de clonagem e “viagem no tempo” foi visto como “complicado”. A solução passou pela sua limitação no tempo e no seu uso in game, caso contrário “necessitaríamos de uma quantidade de memória quase infinita”. Este obstáculo “forçou o game design a ser diferente, claro, mas é algo que já tínhamos esperado desde a fase de planeamento”.

Por fim, o estudante de engenharia informática explica o que deve ser mais importante na criação de um jogo, apontando para “um bom planeamento, delegação de trabalho e expetativas”. O desenvolvimento do Overtime teve várias ideias “que ficaram por implementar e ficaram apenas como esboços, mas termos planeado tudo com antecedência levou a que muito pouco trabalho fosse gasto em algo que saberíamos que não ia aparecer na interação final do jogo”.

Fernando Alves, 5º ano de Engenharia Informática na FEUP

Colega de curso do João Ferreira e dev do Overtime, Fernando explica que apesar de não estar em videojogos, o seu curso dá a “possibilidade de escolher algumas cadeiras” relacionadas com a área, o que permite já ter uma noção do que é aprender a ser um game developer: “a vertente cooperativa”. Atribui mais importância do que João Ferreira, já que acredita que os cursos dedicados a videojogos “obrigam a aprender a trabalhar com outros no mesmo projeto, desenvolvendo um conjunto de skills que são muito importantes no mercado de trabalho”.

 Como o confinamento foi aplicado a meio do semestre, Fernando diz que “houve obviamente uma fase de adaptação ao ensino à distância”. Não teve problemas em manter em contacto com os seus colegas “visto que já maioritariamente comunicávamos e trabalhávamos nos projetos fora das horas das aulas”, mas elogia os docentes do seu curso que estão “de parabéns” por terem feito uma transição para as aulas online “sem problemas” e pelo facto de todos os alunos terem sido “consultados em todas as decisões que tomaram, de forma que ninguém ficasse prejudicado”.

Quanto às aulas em si, Fernando Alves partilha da mesma opinião que o João Ferreira ao revelar que o desafio foi mais evidente na planificação do projeto: “Foi complicado decidir quantas funcionalidades iríamos desenvolver com o tempo que tínhamos e quem ficaria responsável por cada tarefa”. Admite que não tinha experiência suficiente para prever o trabalho que iria ter com a gestão inicial do seu jogo, mas “conseguimos fazer tudo o que queríamos no projeto, e estamos muito contentes com o produto final.”

André Sá, formado em Produção Multimédia e Jogos Digitais no IPMAIA, Artista 3D na Saber Interactive Porto

Recém-formado e já a pôr em prática o seu conhecimento numa game dev, André Sá acredita que os cursos superiores de videojogos são bastante úteis visto que “na maioria dos casos, são o primeiro passo para se entrar no mundo” do game development. Fala do seu percurso, já que antes de começar o seu curso dedicado aos jogos digitais no IPMAIA já tinha tirado um curso profissional de Multimédia na Oficina Escola Profissional do INA onde ganhou experiência a trabalhar em softwares que mais tarde seriam úteis.

O curso do IPMAIA “abriu-me portas para a indústria, com a oportunidade de estagiar na Bigmoon Entertainment, atualmente Saber Porto, onde acabei por ser contratado para a posição que atualmente exerço: Artista 3D”.

“O curso em si refere que nos preparamos para a área, mas é o portfolio que o confirma.”

Mais importante do que o curso em si, “é a qualidade do portefólio a apresentar quando nos candidatamos”. André avisa que na altura da candidatura para uma empresa, “o curso em si refere que nos preparamos para a área, mas é o portefólio que o confirma”. Para além disso, em Portugal “existe pouca oferta”, não só porque a “maioria dos estúdios está fora de Portugal”, mas também “porque a maior parte dos estúdios são pequenos”.

Outros pontos importantes que completam o portefólio são os valores a participação em meets e gamejams. Segundo o André, “a nossa postura deve demonstrar honestidade, humildade, disponibilidade, e sobretudo a responsabilidade de saber trabalhar em equipa”, e a participação nestes eventos “são uma mais-valia pois, para além de conhecermos e trocarmos opiniões, acabamos por aprender bastante uns com os outros”. “Existe ainda a possibilidade de nascer um novo jogo indie, a partir destes eventos”, completa.

“Felizmente o mercado nacional de videojogos está a crescer significativamente e nos últimos anos assistimos à criação de várias equipas indie.”

É com otimismo que André Sá vê o mercado nacional. Acredita que “está a crescer significativamente” e observou um aumento de “criação de várias equipas indie” nos últimos anos. Também aponta para um maior investimento de grandes empresas estrangeiras, como a Miniclip e a Funcom, e usa o exemplo da sua empresa, a Saber Interactive, que comprou a Big Moon Entertainment formando “uma equipa com mais de 60 pessoas, provenientes de várias partes do mundo”.

Com a empresa onde trabalha, focam-se em títulos AAA “com qualidade de topo e com a ambição de nos posicionarmos entre os melhores do mundo”, destacando o facto de que o fazem em terras lusas. Conclui, atribuindo este crescimento positivo “à qualidade dos cursos nacionais e há grande paixão que nós, developers portugueses, sentimos a desenvolver videojogos”.

Ricardo Brioso, 4º ano de Bioengenharia na FEUP

Também estudante da FEUP, mas num curso diferente, Ricardo conta de forma sucinta a sua opinião sobre o mesmo assunto.

“Com as mudanças rápidas da indústria dos videojogos é importante ter um curso atualizado e com referências atuais para que o aluno possa aprender o que foi feito e de que maneira.” O estudante de Bioengenharia ainda não tentou a sua sorte no mercado de trabalho, “tenho conhecimento de alguns colegas que se conseguem inserir em equipas de game development em empresas nacionais e internacionais, atualmente.”

Sobre as aulas dedicadas aos jogos, Ricardo encontra uns desafios em “encontrar uma solução para algo creativo que imaginamos, pelo menos em termos de programação”, mas que não sentiu muito impacto com o aparecimento da pandemia.

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