A Liga Feminista do Porto, que se tornou numa associação há pouco mais de um mês, é angariadora de testemunhos de todos aqueles que queiram chegar à frente e partilhar as suas histórias.
Já com um número de seguidores substancial no instagram, a Liga viu aí a sua oportunidade para informar os portuenses sobre o que estava a acontecer nas ruas da cidade Invicta, com o objetivo de sensibilizar e tentar travar a violência.
A história ganhou visibilidade quando a Liga partilhou na sua página um post intitulado “Denúncia: Violência Sexual no Porto”.
Neste post, antes de se avançar para a fotografia seguinte, aparece um fundo opaco, com o objetivo de informar o usuário que o que vai ler contém material sensível. Se decidir concordar, as fotografias seguintes são compostas por um comunicado escrito pela Liga, onde é detalhado graficamente uma agressão sofrida que uma mulher sofreu no elevador da estação de metro da Trindade e que foi denunciada pela vítima à Liga.
Os próximos parágrafos podem ferir a sensibilidade de alguns leitores, sendo que para evitar qualquer incómodo, estes troços estarão a itálico, com o objetivo de dar a oportunidade a todos os que não desejam ler a descrição da agressão passar a leitura à frente.
No dia 22 de maio, uma mulher de 20 anos foi vítima de uma tentativa de violação na estação de metro da Trindade. A vítima quando entrou no elevador foi surpreendida por um homem que procedeu à agressão.
A sobrevivente foi agredida por socos sucessivos, agarrada e apalpada. Com todo o esforço que conseguiu reunir, berrou, assustando o agressor. Depois de lutar para sair daquele momento de terror, a mulher fugiu pelas escadas do metro, tendo sido socorrida por uma outra mulher.
A mulher fez queixa junto dos órgão competentes e aguarda o desenvolvimento da investigação criminal.
Depois deste momento com uma descrição detalhada pelo que esta sobrevivente passou, a Liga fez questão de prolongar o aviso, para não cair no esquecimento que não têm só acontecido este tipo de agressões nos metros, mas sim em vários espaços públicos. Como por exemplo, a denúncia sobre um grupo de homens que tem vindo a abordar mulheres em zonas comerciais do Porto (Norteshopping e Marshopping). Este grupo, numa tentativa desarmar as possíveis vítimas e que estas se aproximem da viatura, começa por pedir direções ou age sobe o pretexto da venda de perfumes, com o objetivo de convencer a vítima a entrar no carro.
No dia 28 de abril, a própria Liga Feminista, com autorização do membro próximo da associação, partilhou a denúnica da mesma, sendo que esta foi brutalmente violentada e violada à entrada do seu prédio (na zona da Trindade).
Depois destas denúncias publicadas online, e partilhadas milhares de vezes, a Liga acabou por receber dezenas de testemunhos de assédio, que ocorreram um pouco por toda a cidade.
Simultaneamente, alguns membros da sociedade portuense mandaram-se numa campanha de descredibilização das denúncias feitas pela Liga.
“Várias pessoas sentiram a necessidade de ligar à polícia a dizer que nós estávamos a mentir”, afirmou Diana Pinto, membro da Liga Feminista do Porto, incrédula sobre toda a situação, apontando ainda que “existe uma grande vontade de descredibilizar vítimas de violação”.
Pode ler-se também no comunicado partilhado que, “os constantes casos de violência sexual na nossa cidade não têm carácter excecional – as mulheres sempre foram sujeitas à agressão masculina. O que tem vindo a mudar, ainda que de forma insuficiente, é o apoio dado às vítimas e a crescente abertura na sociedade para ouvir as suas histórias”.
Como esclareceu Diana, “o normal é haverem muitos casos, o que não é normal é as pessoas falarem deles”.
A Liga Feminista do Porto reconhece a inexperiência da recente associação, por isso, sempre que possível e como preferência tenta encaminhar as denúncias e partilhas a organizações mais experientes, tendo como objetivo ser mais uma ponte de comunicação e de apoio à vítima.
“Se nós conseguirmos fazemos”.
Neste momento, ao contrário da violência doméstica, a violação sexual não é um crime público, ou seja, não se verifica que “o processo corre mesmo contra a vontade do titular dos interesses ofendidos”. É apenas neste momento, crimes semi-públicos, onde “é necessária a queixa da pessoa com legitimidade para a exercer”, sendo que neste tipo de crime, “é admissível a desistência da queixa”.
Segundo a Liga, esta mantêm-se uma das principais lutas, pois muitos casos são arquivados, pela dificuldade de se conseguir comprovar que existiu de facto uma violação.
“O crime semi-público é insuficiente”.
Infelizmente nos últimos tempos, para além do aumento de casos que têm vindo a público, houve um caso de uma mulher que foi raptada e morta por um polícia no Reino Unido. Ainda mais próximo a casa, o facto de a uma juíza ter absolvido um homem de violência doméstica, mesmo depois de várias provas e testemunhas serem reveladas, isto pois a vítima decidiu não testemunhar contra o crime cometido.
Sarah Everard, segundo o The Guardian, tinha 33 anos quando desapareceu enquanto caminhava de volta a casa às 21h00. O polícia metropolitano foi preso e acusado de rapto e homícidio, sendo que ainda não são conhecidos todos os detalhes deste caso, nem qual a causa de morte de Sarah.
Este pode ser analisado como um dos exemplos que a Liga oferece, apontado a importância das mulheres se sentirem seguras para andarem sozinhas nas ruas livremente.
No caso português, segundo o artigo publicado na Sapo/Madremedia, onde a Juíza Isabel Pereira Neto toma a decisão de absolver o autor do crime de violência doméstica, onde o arguido agrediu em pleno luz do dia, tendo agarrado a vítima pelo pescoço e arrastado-a até ao carro. A Juíza considera que se tratou de “apenas um ato, que não reveste a gravidade ínsita” ao crime de violência doméstica. Isto acontece pelo facto de a vítima ter recusado testemunhar durante todo o processo.
A verdade é que, como diz Diana, “ainda estamos no meio do furacão”.
Mesmo depois de milhares de partilhas nas redes sociais, e mesmo depois de uma sobrevivente conseguir encontrar a coragem para falar publicamente sobre a agressão que viveu, de partilhar com desconhecidos o trauma psicológico que sofreu, os organismos de comunicação social apenas se chagaram à frente, quando foi organizada uma manifestação, “Reclaim the Streets”, semanas depois das denúncias feitas, exatamente porque as mulheres da cidade invicta não estavam a ser informadas dos últimos acontecimentos nos espaços públicos, nem quais as zonas importantes a evitar.
“Começar com a luta política nos nossos bairros, nas nossas cidades e depois ir para cima, porque ninguém nos vai defender de cima para baixo”, é como a Liga pretende apresentar estes assuntos à sociedade, começando por baixo, pelos bairros do Porto, onde o primeiro passo é “fazermos barulho suficiente para eles [aqueles no poder] não nos poderem ignorar lá em cima”.
A Rádio Portuense contactou a PSP [Polícia de Segurança Pública] do Porto, com a esperança de perceber quais são os esforços que estão a ser feitos para manter o espaço público mais seguro, comparado com o que se tem presenciado nas últimas semanas com as denúncias partilhadas.
A PSP respondeu às perguntas propostas, mencionando que não tem conhecimento de ocorrências com o referido enquadramento. Isto, pensa a Rádio Portuense que poderá estar relacionado a quando a Rádio questiona a PSP se estão a ser feitos alguns esforços ou a serem tomadas algumas medidas para manter as zonas, onde foram feitas estas denúncias, mais seguras.
A PSP tem, no entanto, conhecimento, que no dia 22 de maio, foi apresentada uma denúncia por tentativa de agressão sexual na zona da Trindade. Partilhando ainda que no dia 19 de junho foi registada uma participação por suspeita de violação na Senhora da Hora. A PSP assegura que as referidas ocorrências estão a ser investigadas pela Polícia Judiciária, entidade com competência de investigação.
Quando pedido um último comunicado, com o objetivo de assegurar a população de que estão a ser tomadas medidas para combater a violêcia nas ruas, a PSP diz que “É fundamental que sempre que os cidadãos tenham conhecimento de situações criminais as participem junto dos órgãos de polícia criminal ou autoridades judiciárias”, finalizando o comunicado com “atentos e ao dispor”.
Desde mais a Rádio Portuense agradece a PSP ter tirado tempo para responder às questões expostas.
A Liga Feminista do Porto reconhece que tem um trabalho “profundamente impopular”, no entanto não deixa que a opinião da maioria da sociedade imponha obstáculos à grande quantidade de trabalho ainda a ser feito.
Diana relembra que “é preciso exigirmos isso da forma mais física e mais brutal possível, porque ninguém nos vai dar isso”.
Quando se perguntou se deveria haver mais iniciativas por parte dos políticos nas escolas sobre este tipo de agressões, e até mesmo mais informação sobre a sexualidade no ensino básico, a Liga deu grande ênfase que de facto o serviço existe, não em todas as escolas, mas já é oferecida Educação Sexual; no entanto, “é um deserviço, ou seja, eles tem o serviço, fazem-no é profundamente mal”.
A Liga Feminista do Porto tem todos os seus objetivos como finais, ou seja, todos são a longo prazo e muito difíceis de combater, como por exemplo, a pornografia infantil e a prostituição. Mas acima de tudo, como associação não se esquece da principal luta que nos encontramos, agora como sociedade, durante estes tempos complicados de pandemia.
Finalizamos então este artigo com uma frase pertinente de Diana Pinto, onde esta afirma que, “É o nosso objetivo, o nosso principal prepósito, trazer para a discussão pública [todos os assuntos referidos acima] e deixar de fazer isso um tabu e deixar de fazer isso conversas que se tem fechadas entre quatro paredes”.