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Lisboa e o Centralismo Saloio

Anualmente, a Ordem dos Contabilistas Certificados publica o Anuário Financeiro dos Municípios Portugueses, onde escalpeliza variados aspectos da vida financeira dos 308 municípios portugueses.

Interessante será analisar o orçamento dos concelhos portugueses, principalmente no que concerne às receitas, já que as despesas, naturalmente, estarão sempre condicionadas às receitas arrecadadas.

Em 2019, de acordo com o citado anuário, o município que arrecadou mais receita foi, sem admiração, o da capital, com um valor total de €1 044 337 884. Por si só, este não seria um facto que nos pudesse surpreender, já que estamos a referir-nos ao maior concelho português em termos populacionais, o que seria suficiente para justificar esse lugar cimeiro.

Surpresa, e da grossa, é quando analisamos os concelhos que se seguem, em ordem de grandeza, ao da capital. No pódio deste ranking encontram-se o município do Porto (com uma receita arrecadada de €251 214 697) e o de Cascais (com um valor de €214 251 456).

Ou seja, o município de Lisboa apresenta receitas que são mais de quatro vezes superiores às do concelho do Porto e quase cinco vezes mais do que as obtidas pelo município vizinho de Cascais. Podíamos concluir, com a ingenuidade dos inocentes, que sendo o maior concelho, seria natural que tal repartição fosse desproporcional. Mas o facto é que o concelho de Lisboa tinha, segundo a Pordata, à data de 31/12/2019, 509 515 pessoas, enquanto os municípios do Porto e de Cascais tinham, na mesma data, 216 606 e 213 608 respectivamente. Cai por terra a tese de uma justa distribuição pela população.

O quadro que apresentamos (inclui apenas os três municípios que lideram este ranking) como exemplo, é paradigmático da desigualdade das receitas e despesas por habitante:

De onde vem tal disparidade de valores que, entre outras vantagens, permite ao município da capital, adequando as suas despesas às receitas arrecadadas, promover obras e benefícios completamente interditos aos restantes portugueses? O próprio Anuário Financeiro dos Municípios refere, em determinada altura: “Em 2019, a receita cobrada pelo Porto, representou apenas 24,1% da receita arrecadada por Lisboa. No entanto, a população residente no Porto corresponde a 43,4% da população residente em Lisboa”.

Esta desigualdade provém de uma iníqua distribuição das receitas arrecadadas pelo Estado, nomeadamente no que respeita ao IRS e ao IRC. Segundo a lei, a repartição dos recursos públicos entre o Estado e os municípios, definida pelo Fundo de Equilíbrio Financeiro, é realizada, entre outras, por uma subvenção cujo valor é igual a 19,5% da média aritmética simples da receita proveniente dos impostos sobre o rendimento das pessoas singulares e coletivas (IRS e IRC) e sobre o valor acrescentado (IVA).

A questão é que as grandes empresas, que operam em todo o país, têm a sua sede em Lisboa, onde pagam os seus impostos, contribuindo para um bolo que na sua esmagadora maioria é confeccionado no restante território. Basta pensar na EDP e na sua actividade que se desenvolve em todo o território nacional mas, sendo tributada em Lisboa, vai contribuir para um bolo que será o município lisboeta a lucrar na quase totalidade. Lembramos o exemplo da EDP colocando-nos ao lado na luta das gentes das Terras de Miranda. Povo que aguenta todo o impacto ambiental (e não só) das barragens do Douro, comunidade que não tira um cêntimo da sua contribuição para a electricidade aí gerada e, agora, nem da venda das barragens que estão no seu território. Sofrem com os custos, nada ganham com os proventos.

Uma injustiça, entre tantas outras, que faz com que, segundo os critérios da UE, a única região rica em Portugal seja a de Lisboa.

Até quando todas estas injustiças proporcionadas por um centralismo saloio que dói?

Texto de Faria de Almeida, Economista

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