Antes de começar o corrido, quando há um ensaio da peça de teatro por inteiro, onde os Atores – Alexandra Moreira, Bruna Santos, Tiago Ribeiro e Tomás Secura Bravo, o Encenador – Pedro Barros Castro, e os essencias restantes membros da equipa, que ajudaram criar ‘As Pequenas Coisas’, juntam-se à porta da sala para partilharem notas sobre o primeiro corrido.
O espaço fica entre dois edifícios da Escola Superior de Música e Artes do Espetáculo [ESMAE], os atores ouvem as notas do Encenador e da Direção de Atores – Mafalda da Nova Covas, onde todos tiram uma pequena pausa para fumar um cigarro, e o método de trabalho tem como base uma forte comunicação entre todos, até voltarem de novo para a sala de ensaios, onde realizam um último corrido antes de concluirem o dia de trabalho.
‘As Pequenas Coisas’, estreia dia 11 de Julho, às 21h00, no Teatro Helena Sá e Costa, sendo para maiores de 16 anos [M/16]. É um texto de Enda Walsh, tendo a tradução de Joana Frazão.
Na folha de sala poderá ler-se uma pequena sinopse do que espera o público deste espetáculo.
“Em ‘As Pequenas Coisas’ de Enda Walsh, é dada a oportunidade, a leitores e públicos, de entrar na casa habitada por um Homem e uma Mulher que entretêm o seu tempo a contar-nos a história de como se conheceram numa aldeia que não tem sítio exato. A narrativa das suas histórias expõe as atrocidades que foram cometidas nesse mesmo local durante a sua infância e que, ao que tudo aparenta, resultaram no confinamento destes dois seres a uma casa onde montam e desmontam diariamente a ilusão do seu próprio ritual. Texto intenso e palavroso que nos faz questionar a veracidade do que é contado ou até da própria existência deste casal.”
Em entrevista, o Encenador Pedro Barros Castro, oferece uma leitora mais profunda deste texto e explica o porquê da vontade de dar vida a este texto.
“É um espetáculo e é um texto que nos fala sobre memória, sobre a maneira como nós às vezes nos esquecemos e não percebemos as coisas que são importantes para nós na nossa vida. As nossas pequenas coisas, que é o nome do espetáculo e que para mim faz todo o sentido, ou seja, as nossas conversinhas, o nosso dia a dia, as coisinhas bonitas, as pessoas de quem gostamos, as tagarelices, o que nos define no nosso intímo.
“Acho que acima de tudo é um espetáculo sobre a intimidade, antes de ser sobre qualquer outra coisa. Nós quando estamos sozinhos, quando não estamos em público, quando estamos no privado, o que é que nos surge, que pensamentos é nos surgem, que palavras é que nos surgem, como é que nós nos encrontamos connosco mesmos”, afirma entusiasmadamente o Encenador.
Ao entrar no espaço de ensaio, todos se dirigem às suas posições, e os Atores passam a preparar o cenário para o corrido. O aquecimento é um misto de energia acelerante para depois passar a um momento relaxante e divertido. Uma atriz comenta que seria engraçada existir uma peça onde é apenas representado todo o processo durante as notas do Encendor, devido ao teor interessante de mostrar ao público todo o trabalho investido, que estes desconhecem como é criado.
No decorrer do corrido, como espectadura submergi-me na peça, abstraindo-me do que me rodeava. Uma pequena passagem na folha de sala, na seção onde o Encenador explica pelas suas palavras o Projeto, relembrou-me de todos os detalhes importantes que retirei desta peça.
“As nossas passagem pela vida marcam-se por histórias. Todos as temos. Contamos repetidamente esses episódios, na tentiva de imprir em alguém o peso e a leveza que essas histórias nos trazem. Isso prova-nos que estamos vivos, que temos memória.”
Mais tarde, ao falar com Pedro Barros Castro, este esclareceu o porquê da vontade de dar vida a este texto.
“Claro que há livres interpretações e que cada um pode levar isto para o campo que quiser, mas quando eu li este texto pela primeira vez o que me agradou neste texto foi isto, foi o concilio perfeito entre um texto que eu considero poético e lírico, mas ao mesmo tempo muito violento, e que é uma teia autêntica de raciocínio, e a nível de narrativa e de fábula é muito, muito complexo.
“Foi a concíliação entre estes dois elementos neste texto, enquanto encenador, que me levou a querer leva-lo a cena,” explica.
Com a pandemia vieram dificuldades e mudanças de planos. Um espetáculo que já tinha estreia marcada para o dia 28 de fevereiro de 2021, teve que ser interrompida quando se impõe um confinamento dias antes. O que condicionou a criação do espetáculo, de quatro meses, tendo a equipa voltado aos ensaios no início de junho, para a nova estreia 11 de julho.
O Encenador viu este impasse, que apesar de claramente difícil, acabou no fundo por ser “bastante irónico”, pois visto que a peça fala de duas personagens que vivem confinadas, a pandemia levou a que houvesse uma adaptação do texto, pois como toda a equipa concordou, que muito do que tinha sido construído já não fazia sentido “absolutamente” nenhum depois do que todos viveram durante o confinamento.
“Ás vezes pensamos que não se cresce em quatro meses, cresce-se imenso, enquanto artista, enquanto pessoa.
“Neste momento até acho que está mais esclarecido até para nós, esse tempo de maturação fez-nos bem. Portanto, se por um lado teve essa desvantagem, que foi tivemos que guardar o filho durante algum tempo, por outro lado também acho que foi proveitoso termos parado para repensar melhor as coisas,” afirmou confiante Pedro Barros Castro.
Acima de tudo o Encenador espera que do palco, durante aqueles 50 minutos de espetáclo, passe para a plateia todo o trabalho e o tempo que ainda está a ser investido neste projeto, que acha o Encenador que será mais que defendido.
Pedro Barros Castro acredita ainda que não tem como opnião que pode falar sobre as interpretações que os espectadores vão retirar deste espetáculo. No entanto, o Encenador comenta que tem uma ideia do que é que as pessoas vão retirar, mas refere ainda que não é esse o seu trabalho. Pedro Barros Castro apenas fala do que o mesmo quer passar para o público.
“Depois o que eu falava sobre a sinópse deste espetáculo, é precisamente isso que eu também quero que seja vertido isso em palco, ou seja, uma reflexão sobre a nossa condição na vida. Acho que no fundo, o teatro acaba por ser essencialmente sobre isto. Claro que isto é um bocado genérico e dito da boca para fora, mas o teatro acaba por ser sobre isto, sobre a condição do homem na sociedade e consigo próprio,” explica por fim o Encenador.
Como última observação sobre ‘As Pequenas Coisas’, não conseguiria concluir melhor este artigo promocional, do que o Encenador, que dá uma ilustração profunda sobre o que os espectadores vão sentir e levar consigo depois de assistirem a este espetáculo.
“Este espetáculo é sobre essa reflexão e é isso que eu gostava que o público retirasse no final do espetáculo, que é o que é que nós somos, o que é que nos sobra quando não temos mais nada, porque para além de intimidade, este espetáculo também é sobre perda, acima de tudo.
“Se pudessemos no final do espetáculo ficar um bocadinho mais ilúcidados, ou pelo menos se tivesemos oportunidade de pensarmos sobre essas questões, já temos uma conquista e já desempenhamos a função social que eu acho que o teatro desempenha,” conclui assim a entrevista.
Mais uma vez, ‘As Pequenas Coisas’ vai estrear este domingo, 11 de julho, às 21h00, no Teatro Helena Sá e Costa, com plateia reduzida devido a pandemia, e seguindo todas as regras e concelhos da Direção-Geral da Saúde.