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Centro de acolhimento no Porto: “Não há melhor do que isto, é melhor do que o Pai Natal”

Há cerca de um mês que Luísa e Serafim têm um quarto só para eles, depois de passarem anos a dormir na rua. O casal faz parte do grupo de 15 utentes que pernoita, actualmente, no centro de acolhimento de emergência que está a funcionar, desde 1 de Setembro, nas instalações do antigo Hospital Joaquim Urbano, no Porto. A experiência-piloto tem um prazo de seis meses, mas a Câmara do Porto, que a promoveu, espera que ela se transforme num projecto definitivo e que o número de pessoas acolhidas em simultâneo possa subir de 15 para 35.

Já há quase dois meses que o centro de emergência está a funcionar e por lá já passaram 21 sem-abrigo, segundo revela Sónia Veloso, enfermeira-chefe do espaço, cedida pelo Centro Hospitalar do Porto (CHP) ao projecto. “Seis evoluíram para outra situação e saíram”, explica, depois de uma curta visita guiada ao presidente da Câmara do Porto, Rui Moreira, ao presidente do conselho de administração do CHP, Paulo Barbosa, ao director do centro distrital do Porto da Segurança Social, e ao vereador da Habitação e Acção Social, Fernando Paulo, pelas instalações disponibilizadas pelo CHP. Os parceiros nesta experiência-piloto iriam reunir-se após a visita para avaliar o processo em curso e analisarem possibilidades de gestão e financiamento para o futuro. Fernando Paulo adiantou que, provavelmente, a câmara não avançará com um concurso público para encontrar um gestor para o projecto, estando a ser negociada a possibilidade de a Segurança Social indicar uma Instituição Particular de Solidariedade Social que possa tomar conta do processo.

Neste momento, o CHP cede as instalações e a enfermeira-chefe, e a Câmara do Porto assume os custos restantes da operação, avaliados em cerca de 75 mil euros, para os seis meses previstos. Há ainda parceiros desta iniciativa, integrada no plano municipal de apoio aos sem-abrigo lançado há cerca de ano e meio, como os Médicos do Mundo, a Arrimo – Organização Cooperativa para o Desenvolvimento Social e Comunitário ou a SAOM – Serviços de Assistência Organizações de Maria.

Foi através desta última organização que Gonçalo Alves, de 51 anos, chegou ao centro de acolhimento de emergência, depois de cinco anos a dormir na rua. Instalou-se no Porto vindo de Gondomar e diz que a rua lhe aconteceu “por [falta de] cabeça”. A proposta para que trocasse a Rua do Dr. Alves da Veiga por uma cama no antigo Joaquim Urbano foi recebida sem hesitação. “Uma oportunidade destas não se pode deixar fugir. Não há melhor do que isto, é melhor do que o Pai Natal”, diz.

Dos seis utentes que já chegaram e deixaram o centro, há quem tenha arranjado habitação, quem conseguisse contratos de trabalho e também um utente que simplesmente não quis ficar. Os que lá estão, têm uma cama em quartos com cinco ou quatro camas (excepto o casal Luísa e Serafim, que tem um quarto só para ele) e podem permanecer todo o dia no local, se quiserem, fazendo ali as diversas refeições. Participam na limpeza da roupa da cama e na roupa pessoal e têm actividades organizadas, embora ninguém abdique de ir dar o seu passeio diário à rua, garante Gonçalo. Uma vez por semana, um médico dos Médicos do Mundo vai ao local dar consultas a quem precisar de cuidados de saúde.

A regra pré-definida (mas que se espera que venha a ser quebrada várias vezes) é que ninguém deve permanecer neste centro mais do que três meses. Para isso, procura-se um plano que ajude cada utente a ter um novo plano, fora dali. Mas isso é das coisas mais difíceis de se conseguir, admite a enfermeira Veloso. “Transferi-los para uma pensão do Porto, hoje, é muito difícil. Os quartos estão muito caros, o Rendimento Social de Inserção que recebem é baixo e as respostas são escassas”.

Adérito Fonseca, 58 anos, queixa-se do mesmo – bem como os colegas que, como ele, aguardam ao sol pela hora da refeição. “É muito difícil arranjar um quarto. Agora, é tudo low-cost, cobram-te 20 euros por uma noite, mas depois mandam-nos embora. Não conseguimos pagar estes preços”, diz.

As respostas ainda são escassas, admite Rui Moreira, embora se congratule por a estratégia desenhada pelo Porto “se articular muito bem com a nacional”. Na terça-feira foi aprovado o Plano de Acção 2017-2018 que prevê, entre as cem medidas definidas, a criação de uma bolsa de 20 habitações. No Porto, uma parceria com a associação mutualista Benéfica permite que existam já dois apartamentos destinados a sem-abrigo, e está “a ser negociado” com Santa Casa a Misericórdia a hipótese desta entidade também ceder mais habitações para o mesmo fim, explicou Fernando Paulo.

O vereador salientou que é necessário “encontrar uma co-responsabilização colectiva” para os sem-abrigo, já que, argumentou, o Porto acaba por funcionar como “um pólo de atracção” também nesta matéria, possuindo uma população de sem-abrigo composta por pessoas oriundas de diferentes destinos. Entre os que aguardam ao sol pela hora de almoço, parece confirmar-se esta afirmação: Gonçalo é de Gondomar, Luísa de Bragança, Adérito de Bragança. Todos têm, por enquanto, uma solução temporária no Porto.

artigo fonte: https://www.publico.pt/2017/11/29/local/noticia/nao-ha-melhor-do-que-isto-e-melhor-do-que-o-pai-natal-1794397

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