Presidente da Câmara do Porto vai ser julgado pelo crime de prevaricação. Rui Moreira acredita que decisão do tribunal de instrução criminal não pesará sobre se avança ou não com recandidatura.
“A prova testemunhal e documental constante dos autos não deixa persistir quaisquer dúvidas sobre o preenchimento dos elementos objetivos e subjetivos do crime imputado ao arguido”. É a conclusão da juíza de instrução Maria Antónia Ribeiro, que decidiu levar a julgamento o presidente da Câmara Municipal do Porto, Rui Moreira. Decidiu esta terça-feira, no âmbito do processo Selminho, um caso relacionado com a intervenção do autarca num diferendo entre o município e uma imobiliária deste e da sua família por causa da capacidade de construção de um terreno localizado na escarpa da Arrábida, no Porto.
Como a juíza de instrução validou integralmente a acusação, é praticamente impossível à defesa de Rui Moreira recorrer desta decisão. Resta ao autarca defender-se em julgamento para tentar evitar a condenação.
Numa reação à decisão, Rui Moreira foi avisando que este processo “não interferirá na avaliação sobre a sua recandidatura” a presidente da autarquia para fazer um terceiro mandato autárquico. “Naturalmente não ignoro a existência do processo, por isso quero dizer-vos e deixar bem claro, em particular àqueles que há muito me tentam afastar dos portuenses, que este processo não interferirá na avaliação sobre a minha recandidatura a presidente da Câmara Municipal do Porto”, reforçou Rui Moreira, numa declaração emotiva a partir da sede do município.
Há cinco meses, o Ministério Público acusou o autarca do Porto de um crime de prevaricação, um ilícito punido com pena de prisão entre dois e oito anos. Os dois procuradores que assinavam a acusação pediam ainda a perda de mandato do autarca, por, alegadamente, este ter favorecido a imobiliária Selminho, já durante o seu mandato como presidente da Câmara do Porto em detrimento do município. Isto num conflito judicial que opunha há vários anos o município à imobiliária, que pretendia autorização para construir, num terreno de 2260 metros quadrados, um edifício de cinco andares com vista sobre a foz do rio Douro.
No centro do processo-crime está um acordo assinado formalmente pela então vice-presidente da autarquia, Guilhermina Rego, em Julho de 2014, no âmbito de uma ação intentada pela Selminho contra a câmara quatro anos antes, na qual a empresa solicitava que fossem declaradas ilegais duas normas do Plano Diretor Municipal que impediam a construção naquele terreno, ou, se tal não se revelasse viável, a autarquia fosse condenada a pagar uma indemnização não inferior a 1,5 milhões de euros.
A intervenção de Guilhermina Rego ocorreu depois de Rui Moreira – que assumiu a presidência da câmara em Outubro de 2013 – ter assinado em finais desse ano, uma procuração a dar “poderes especiais” ao advogado da câmara que já acompanhavam o caso. Foi essa procuração que permitiu ao advogado Pedro Neves de Sousa (nomeado ainda no tempo de Rui Rio) representar a autarquia numa audiência prévia que ocorreu a 10 de Janeiro de 2014, no Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto. E nessa altura, já ficou escrito na acta que, “após conversação” entre os advogados das duas partes, estes admitem “a possibilidade de conseguirem um acordo” com a autarquia a assumir o “compromisso de, aquando da próxima revisão do PDM, em 2016, adoptar uma redacção que contemple a pretensão” da Selminho, que queria aval para construir uma dúzia de T4 com uma vista privilegiada.
Apesar de até aí a autarquia ter defendido sempre que não era possível construir naquele terreno e ter visto os tribunais darem-lhe razão em várias acções intentadas pela Selminho, o acordo foi assinado em Julho desse ano. Previa que, no âmbito da revisão do PDM, fosse autorizado o que a Selminho pretendia e que, se tal não fosse possível, as duas partes discutiriam uma eventual indemnização não nos tribunais judiciais, mas num tribunal arbitral.
“Retira-se ainda dos documentos juntos aos autos a alteração da posição da câmara e o facto de o município não se encontrar em posição fragilizada [como alega a defesa de Rui Moreira] que justificasse a realização da transacção nos moldes em que veio a ser efectuada”, lê-se na decisão. “Por outro lado”, acrescenta a magistrada, “decorre de igual modo, quer dos depoimentos das testemunhas, quer da prova documental que o arguido não podia acordar nos termos em que o fez, sem informar a assembleia municipal e que assim procedeu com intuito de beneficiar os interesses da empresa Selminho em detrimento do município do Porto”.
A defesa de Rui Moreira sempre insistiu que o acordo favoreceu “zero” a Câmara do Porto. Nesta terça-feira, Rui Moreira disse com uma voz trémula que não aceita que o seu nome seja “vilipendiado”, revelando que “nada de novo resulta desta decisão”. “Esta decisão não me deu nem tirou razão, pura e simplesmente remeteu a discussão para outro momento e para outros juízes. É uma decisão que, naturalmente, lamento, pois sei que a acusação não tem qualquer fundamento”, sublinhou, revelando que procurou evitar o prolongamento do processo “sem recorrer a qualquer expediente dilatório, por entender que o mesmo tinha custos desnecessários”. E, tal como há quatro anos, sublinhou estar “perante o processo que surge em véspera de eleições [autárquicas]”.
FONTE: Público