“Com tanto tempo no mar, em condições, penso eu, de stress máximo, é normal que seja surpreendente para todos. É preciso um instinto de sobrevivência, um autocontrolo, não entrar em pânico”, afirmou Horácio Guerreiro, director clínico do Centro Hospitalar Universitário do Algarve
Elsa Rocha, directora da pediatria do Hospital de Faro e da Associação para a Prevenção e Segurança Infantil, médica que está a acompanhar a jovem de 17 anos que esteve perdida 22 horas em alto mar, numa prancha de paddle, até ser encontrada por um navio, disse ontem que Érica Vicente “está clinicamente muito bem” e que deve ter alta nas próximas horas. Aproveitou a presença da imprensa para avisar o Governo e as autarquias para a necessidade de “repensar o alargamento da época balnear no Algarve”. “Temos condições climatéricas que nos permitem usufruir da praia e do mar durante quase todo ano e terá que ser repensado este alargamento da época balnear, porque faz a diferença em termos de segurança dos banhistas”, declarou aludindo à necessidade do Algarve ter vigilância nas praias durante mais tempo durante o ano.
Érica, habitante em Azeitão, estava com a família a passar férias no Algarve quando desapareceu perto das 20 horas de Sábado, empurrada pelo vento, quando se deslocava numa prancha de paddle na praia do Coelho, em Monte Gordo, Vila Real de Santo António. O pai ainda saltou para o mar para a tentar resgatar, mas não conseguiu agarrá-la. Foi encontrada com vida mais de 22 horas depois, cerca das 18 horas de Domingo, a 25 milhas (cerca de 46 quilómetros) a sul de Vila Real de Santo António, por um navio mercante que navegava a caminho de Tânger, em Marrocos. Um helicóptero da Força Aérea Portuguesa foi enviado para recolher a jovem, que se encontrava num elevado estado de hipotermia, tendo sido posteriormente transportada para o Hospital de Faro.
INSTINTO DE SOBREVIVÊNCIA
A directora da pediatria do hospital de Faro acrescentou que a jovem “está bem, consciente, mas muito cansada”. Tem “uma queimadura solar de primeiro grau” provocada pelas muitas horas em que esteve no mar vestida somente com um biquíni. Foi assim que enfrentou o sol, o frio noturno e o vento no mar. Érica, disse a médica, “foi uma guerreira”, mais infelizmente, casos similares raramente terminam bem. Daí que Elsa Rocha sustente a necessidade de que, em todos os desportos aquáticos, “serem usados equipamentos de proteção que podem salvar vidas”,
A principal preocupação da equipa médica, afirmou Horácio Guerreiro, director clínico do Centro Hospitalar Universitário do Algarve, é agora observar se a função renal da jovem se mantém e também, com a hidratação, se existem problemas ao nível da função cerebral, porque, por vezes, quando se força a infusão de líquidos, pode haver situações de edema cerebral, embora não se esteja a prever isso.
Questionado sobre se a sua resistência, depois de tantas horas à deriva no mar, surpreendeu a equipa médica, Horácio Guerreiro afirmou que o acontecimento é surpreendente para todos. “Com tanto tempo no mar, em condições, penso eu, de stress máximo, é normal que seja surpreendente para todos. É preciso um instinto de sobrevivência, um autocontrolo, não entrar em pânico. Esta miúda é uma heroína, sem dúvida nenhuma”, concluiu o médico.
Segundo nascimento
O capitão do Porto de Vila Real de Santo António, João Afonso Martins, relatou a reacção do pai quando soube que a filha tinha sido resgatada viva. “Foi a reação de um pai que acabou de ver a filha nascer pela segunda vez”.