Praça da República – “Jardim” de vasos à porta do prédio para afastar os sem-abrigo
Os comerciantes de um prédio na Praça da República, no Porto, “plantaram” um “jardim” de vasos à entrada para impedir que ali continuem a pernoitar pessoas em situação de sem-abrigo. A associação Casa – Porto, que presta apoio naquela zona da cidade, compara esta situação aos edifícios londrinos onde foram colocados picos de metal para impedir as pessoas de dormirem debaixo das arcadas.
Quem por lá passa desvia os olhares para a nova loja, que abriu “há cerca de duas semanas”. No entanto, o que chama a atenção dos transeuntes são as mais de três dezenas de vasos, que foram colocados há “duas ou três semanas” no local onde costumam dormir “às vezes 20 pessoas”, entre os números 12 e 18 da Praça da República.
“Eles fazem lixo, comem ali, consomem droga”, diz Zhe Zheng, um dos responsáveis pela loja Shop Wonderful, no rés-do-chão do edifício, de quem partiu a iniciativa. “Quando começamos a remodelar a loja, fomos falar com eles a pedir para que não dormissem ali, que fossem dormir nas associações ou nos sítios que oferecem abrigo, mas eles não quiseram saber”, explicou. A mãe de Zhe Zheng, que também trabalha na loja, diz que “a maioria dos moradores ficou agradecida”.
Os lojistas alegam ter falado com os inquilinos do prédio, que terão concordado com a colocação de “algumas coisas para lhes ocupar o lugar”. “Colocámos as flores, primeiro, para atrair a imagem e, segundo, para os persuadir a não ficar”, afirmou o proprietário da loja, considerando que a entrada do prédio, “antes disto, era sinceramente um degredo”. Uma habitante da cidade, que não se quis identificar, costuma visitar os familiares que moram num dos prédios do edifício e concorda com Zhe Zheng: “Agora já não cheira mal como cheirava”. A mesma fonte acrescenta que, naquele espaço, era normal “ver-se muito lixo”. No entanto, não apoia a colocação dos vasos à frente da loja: “Parece um cemitério, cheio de flores, e impossibilita a mobilidade dos moradores do prédio”.
Segundo Pedro Pedrosa, coordenador da delegação da Casa – Porto (Centro de Apoio ao Sem Abrigo), a ocupação daquele espaço fez com que alguns sem-abrigo se mudassem para “debaixo do viaduto, onde ainda poderão estar”, na Rua de Gonçalo São Cristóvão, a poucos metros daquele espaço. “Sabemos também que há um que está a dormir ao pé desses prédios, onde existe uma grua, porque esse espaço também está abrigado”, acrescenta o coordenador.
Na passada sexta-feira, quando a associação fez a rota normal de distribuição de refeições, já não se viam sem-abrigos no exterior do prédio, mas os que, ultimamente, pernoitavam no espaço, encontraram a Casa – Porto. Por outro lado, e segundo Miguel Neves, da Associação dos Albergues Nocturnos do Porto (AANP), “duas das pessoas que dormiam no local voltaram para a associação”. Os “dois utentes” já tinham utilizado os Albergues do Porto como casa temporária, “e saíram quando pensaram ter reunido condições para tal”, conta Miguel Neves. No entanto, e tal como conta o representante daquela associação, estes casos não são únicos: “Há cerca de 30% de readmissões nos Albergues”, indica. >
Para a Casa trata-se de “falta de humanidade e desinteresse pelo bem estar e segurança das pessoas”. Diz a associação que aquele local, por ser “amplo e abrigado”, junto a uma “rua de bastante movimento nocturno”, era “seguro para as pessoas dormirem”. Agora as “pessoas foram expulsas e em sua vez foram colocados estes canteiros e vasos”, lê-se numa publicação no Facebook da associação.
Para a organização, que acompanha há oito anos a população sem-abrigo na cidade do Porto, “é urgente que sejam tomadas medidas” e que a “dignidade humana” seja encarada como uma prioridade. “Há alguns meses o mundo ficou revoltado com os pins colocados em diversos edifícios em Londres para que as pessoas não possam dormir nesses locais. Esta situação em nada é diferente, a intenção é a mesma”, sublinha o núcleo do Porto da Casa, que conta com perto de 400 voluntários.
Mas o responsável pela loja no rés-do-chão deste prédio reitera a preocupação com o negócio. “Eu entendo que acontecem coisas na vida, mas nós estamos a tentar fazer um negócio aqui. E de facto os clientes agora agradecem-nos”, afirmou Zhe Zheng. Maria Pires, que visita pela primeira vez a loja, não concorda, e sublinha que “estas pessoas têm de ter onde dormir”. “Há muitas casas desocupadas no Porto que podiam ser reabilitadas pela câmara para estas pessoas”, atira.
A Casa sublinha que “não é alheia aos problemas dos comerciantes” e diz-se disponível para trabalhar com lojistas, entidades públicas e outras organizações “no sentido de minimizar os inconvenientes de terem uma pessoa a dormir à porta”, desde que todos os intervenientes “o façam com humanidade”. Tece a associação que “é do interesse global retirar estas pessoas da rua”, mas isso “apenas é possível com inclusão e não com repulsa ou expulsão”.
Artigo fonte: https://www.publico.pt/2017/11/28/local/noticia/a-porta-deste-predio-ha-um-jardim-de-vasos-para-afastar-os-semabrigo-1793982