António Dias, de 42 anos, mora no número 21 da Rua da Arménia, no centro histórico do Porto. Há duas semanas soube que o prédio de três andares, onde habita há 21 anos, será vendido e desconfia que terá de sair não tarda. “Ninguém me disse nada em concreto, mas sei de antemão que é o que se vai passar porque é o que tem acontecido a muitos dos meus vizinhos”, contou, durante uma visita de eleitos locais e nacionais da CDU à freguesia de Miragaia para chamar a atenção para o problema dos moradores que estarão a ser pressionados a abandonar as suas casas, vendidas para serem transformadas, em muitos casos, em alojamento turístico.
o caso do número 17, onde vive a mãe de António, Madalena Dias, a pouco mais de dois passos, a decisão está tomada. A residente de 63 anos recebeu uma carta com a informação de que a casa já tinha sido vendida. Ainda que o contrato de três anos só termine daqui a dois, Madalena Dias terá de sair do apartamento até 6 de Junho.
Sem emprego e dependente do salário do marido, na ordem dos 900 euros, Madalena Dias paga pelo apartamento na Rua da Arménia 150 euros mensais e está convencida que não será capaz de voltar a encontrar uma habitação no centro histórico por um preço que consiga suportar. “Ainda há pouco fomos ver um T0 pelo qual pediam 550 euros. Como é que eu posso pagar isso?”, perguntava. Para já, diz que a solução é ir viver com familiares, embora também eles enfrentem o mesmo problema. O prédio de António Dias está em vias de ser vendido e o contrato de arrendamento da filha também não será renovado.
Nos últimos anos, têm-se multiplicado as críticas à saída de moradores do centro histórico da cidade para a transformação dos edifícios em alojamento turístico. “Miragaia já nem tem um quarto dos moradores que tinha, foram todos escorraçados”, nota António Dias, lamentando que as pessoas que conseguiram ser realojadas tenham ido para a periferia. “A zona ribeirinha parece a Alemanha ou a Inglaterra”, comenta.
Ilda Figueiredo, vereadora da CDU na Câmara do Porto, afirma que o despejo é “uma consequência da chamada ‘Lei Cristas’”, o Novo Regime do Arrendamento Urbano, em vigor desde 2012. A vereadora garante que irá “chamar a atenção dos responsáveis” já na reunião de câmara de hoje. Para além dos despejos, com data marcada, a comunista declara que os moradores são alvo de pressões e “autêntico terrorismo psicológico” por parte dos proprietários, o que foi confirmado por alguns dos presentes no local, incluindo António Dias, que contou que o novo proprietário de um prédio vizinho terá ameaçado uma inquilina, dizendo-lhe que “estava farto de esperar que ela saísse e qualquer dia pegava fogo ao prédio.”
A vereadora da CDU disse concordar com o exercício do direito de preferência por parte da autarquia mas admite que a câmara “não pode comprar a cidade toda”. Mas pede que o executivo de Rui Moreira faça mais. Desde logo, alertando a Assembleia da República para a necessidade de alterar rapidamente a Lei das Rendas e, por outro, prestando toda o apoio possível aos moradores afectados, incluindo “apoio jurídico”, disse.
Também Diana Ferreira, deputada do PCP na Assembleia da República, esteve nesta segunda-feira em Miragaia. AE lembrou que o seu partido entregou na Assembleia da República um projecto de Lei que propõe a revogação do Regime do Arrendamento Urbano e que está, desde 4 de Maio, na respectiva comissão à espera de ser votado. Para a deputada, a lei de 2012 contribuiu apenas para promover os despejos e aumentar o valor das rendas. “Vamos fazer tudo para que esta lei que está em vigor deixe de estar e seja criada uma lei mais justa”, afirmou. Diana Ferreira incentivou ainda os moradores a lutar para travar o processo de despejo, embora reconheça que muitos deles se encontram “numa situação fragilizada” e desconhecem os seus direitos, o que torna mais difícil a contestação.
O Novo Regime do Arrendamento Urbano já foi alvo de revisões, nomeadamente o prolongamento do período transitório por oito anos para pessoas com rendimentos inferiores a cinco retribuições mínimas anuais e por dez anos para pessoas com mais de 65 anos ou com incapacidade superior a 60%.
Texto original transcrito de um artigo da PÚBLICO