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A lenda sangrenta que deu nome a Rio Tinto

Conta-nos a lenda que o rio ficou tinto (tingido) de sangue, tantos eram os corpos golpeados e caídos nas suas águas. Tinha-se acabado de travar uma brava luta entre grupos cristãos e muçulmanos, visando a reconquista da terra.

Os mouros, que já haviam sido derrotados noutras batalhas, estavam desorganizados e esfomeados. A perseguição que lhes era movida pelos cristãos não lhes dava descanso. Os poucos que haviam sobrevivido estavam feridos e escondiam-se nos bosques das proximidades, tentando salvar a pele.

Afirma-se que uma princesa cristã atravessou o campo da batalha, procurando um seu irmão, que tinha entrado em tão violenta luta. O que lhe fôra dado ver deixou-a de tal forma emocionada e aflita com tamanho sofrimento, que de bom grado, teria dado a sua vida para que tal chacina não acontecesse. Com eivada ansiedade, procurava vestígios do seu irmão a quem já há muito tempo não via e para quem havia solicitado a proteção de Santa Justa.

Nessa angustiada busca, foi de encontro a um sobrevivente que gemia ao lado de uns arbustos. Deu-lhe de beber do seu cantil, limpando-lhe as feridas, ligando-as de seguida com tiras da sua própria roupa, que aos poucos ia rasgando.

Era um rapaz bem parecido. Era mouro e as suas vestes indicavam a linhagem. Afastada dos afrontamentos bélicos que tinham ficado para trás, só uma grande vontade de salvar aquela vida estava presente. Gemendo de susto, mas mais de dor, agora mais apaziguada, o moço falou assim:

– ABANDONOU-ME MEU PAI NA VERGONHA DA DERROTA QUE ALLÁ CONSENTIU E VEJO-ME AGORA Á VOSSA MERCÊ. VERIFICO QUE O VOSSO CORAÇÃO É FORTE E NELE BRILHA UM AMOR QUE NÃO CONHEÇO, PELO QUE DESDE JÁ RENUNCIO AO DEUS QUE ME DESAMPAROU E, A PARTIR DE AGORA SEGUIREI O CRISTIANISMO.


Painel de azulejos da Batalha em 824 entre Abderramão II, Califa de Córdova, e o Conde Hermenegildo – Estação de Rio Tinto

Dona Dulce, tal era o nome da princesa, chama o frade, que mais à frente, procurava outros sobreviventes. Logo ali, Almançor é batizado com um nome cristão, renegando a sua posição de príncipe sarraceno, filho de Abdel Raman – senhor de Córdoba – que era quem de verdade se tratava. Fernando foi o nome cristão que naquele batizado se ouviu.

A princesa e o frade ajudaram Fernando a esconder-se nos fojos da Serra de Santa Justa, onde ficou ao abrigo da proteção do frade, local onde se deslocava a Dona Dulce para o visitar, levando-lhe mantimentos e agasalhos.

O irmão da Dona Dulce , que não havia sido beliscado na batalha, mas havia-se demorado a chegar ao seu castelo, na cidade do Porto; sofreu, igualmente, com a ausência da irmã, tendo sido o único a saber de um amor que ia crescendo entre a Dona Dulce e o príncipe serraceno Almançor, agora chamado de Fernando.

Também ele reconhecia o valor da vida face àquela luta sem tréguas de conquistas e de mortes.

Azulejos Rio Tinto

O frade abençoou o matrimónio de Dona Dulce com Fernando na capelinha de Santa Justa, lá no alto da Serra. Dom Ramiro, o progenitor da princesa, nunca aceitou esta união, tendo, inclusivamente, proferido maldições e desejado esterilidade para que sua filha não tivesse sucessores.

Para o novel casal, a vida era dura lá na serra; bem longe das comodidades do castelo, dos criados e cozinheiros, mas estava próximo o perdão de seu pai. Fernando caçava e ela, em segredo, vinha encontrar-se com o seu irmão cá em baixo no povoado, a fim de saber do seu almejado perdão.

A desconfiança de Fernando começou a ganhar força pelas saídas demoradas da esposa, pelo que, um dia, resolveu segui-la.

Pelo caminho, Dona Dulce teria ouvido uma voz que lhe dizia:

– NÃO VÁS Á SERRA DE TRANSARES, NÃO VÁS!

Contudo, ela queria saber do irmão.

Fernando de um pulo, aparece e apunhala o rapaz para quem ela se dirigia de braços abertos. Dona Dulce ao ver tanto sangue a jorrar do peito de seu irmão, apenas conseguiu balbucear: TRAZIA-TE O PERDÃO DO NOSSO PAI e … caiu fulminada.

Fernando, apercebendo-se do que tinha feito, gritou de horror,

balbucionando: “AI DE MIM, QUE  DE INFIEL ME TORNEI CRISTÃO POR AMOR, E POR AMOR ME PERDI ASSIM”.

Brandindo, novamente, o alfange, mata-se também. 

Os antigos dizem que naquele local sempre ficou a memória destes tristes amantes que pensavam poder zelar a sua honra com o sangue da própria vida, ficando o lugar a ser conhecido por “MONTEZELO” (Monte+Zelo).  

Fonte Biblio –S/A, . Lendas de Gondomar Gondomar, Câmara Municipal de Gondomar, 1995 , p.15-17

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