A sobranceria do centralismo

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Texto de Faria de Almeida

Pode questionar-se o timing do anúncio. A evidente lógica eleitoral era visível a olho nu, mas, ao que parece, com resultados pois, sendo consequência, ou não, do caso que vamos analisar, a Câmara de Coimbra mudou de mãos.

O caso é o anúncio de Rui Rio da sua vontade de localizar em Coimbra o Supremo Tribunal Administrativo e o Tribunal Constitucional (TC), incluindo a Entidade das Contas e Financiamento dos Partidos Políticos que ajuda o TC na fiscalização das contas dos partidos e campanhas. É uma medida eleitoralista? Será. É uma medida pouco pensada e sem a necessária análise custo benefício? Também será. Mas o que me leva a voltar a este tema, após conhecidos os resultados das eleições autárquicas, é, fundamentalmente, a reacção dos juízes do Tribunal Constitucional ao anúncio da medida.

Dizem os senhores juízes, sem aduzirem, que se saiba, outros argumentos, que a transferência seria “desprestigiante” e teria uma “carga simbólica negativa”. E são estes argumentos, principalmente o primeiro, que devem ser objecto de uma análise profunda, pois estamos a lidar com a opinião de pessoas de formação superior, com uma elevada cultura, presume-se, que acham um desprestígio sair da capital e estabelecer-se numa qualquer cidadezinha da província. Não duvidemos que esta é a ideia predominante das cabeças pensantes dos habitantes da capital do império e da esmagadora maioria dos decisores que, sendo lisboetas ou provincianos integrados nas elites de Lisboa, pensam que seria perder prestígio instalar-se em um outro qualquer lugar que não seja a toda poderosa e cosmopolita capital.

Fosse este um fenómeno isolado e não daríamos tanta importância ao palavreado dos constitucionalistas. Mas os exemplos abundam e abordaremos apenas alguns dos mais recentes, por serem, igualmente, demonstrativos da mentalidade “lisboetocêntrica”.

Mais recuada no tempo, mas também significativa, foi a oposição de alguns centralistas, à cabeça dos quais o historiador Fernando Rosas, quando se anunciou a instalação do Centro Português de Fotografia no Porto, argumentando que não se deveria obrigar os investigadores lisboetas a deslocar-se ao Porto, tão longe que ficava da capital.

Mas também nos recordamos da reacção do director adjunto do Museu Gulbenkian, Nuno Vassallo e Silva, afirmando que a decisão de manter a Colecção Miró no Porto revela “uma visão provinciana” da cultura, porque a cidade de província chamada Porto não saberia o que fazer com tal colecção. Uma colecção que o próprio ex-Director Geral do Património Cultural apoucou, considerando-a apenas como um conjunto de obras.

Mas a tal remota povoação nortenha também não seria capaz de receber a Autoridade do Medicamento, o Infarmed, como tinha sido solenemente prometido pelo Governo, na voz do Ministro da Saúde da altura, como contrapartida da perda, em concurso público, da Agência Europeia do Medicamento. Até a data estava definida: 1 de Janeiro de 2019. Mas tal vontade caiu, depois de uma reacção, por vezes violenta. da presidente da instituição, insurgindo-se contra a mudança, ameaçando, imagine-se, que a saúde em Portugal – e no mundo, pasme-se – poderia estar em risco se os pacóvios do Norte tivessem a sede do Infarmed. E tal promessa caiu, sem uma justificação plausível, apenas porque a província fica longe e não é capaz de receber os iluminados e doutos senhores da capital.

A outro nível, mas também paradigmático da mentalidade centralista, as várias tentativas, até agora infrutíferas, de mudar a sede da Liga de Futebol para Lisboa. Mas relembremos o que foi a luta ganha – por vezes, a província também ganha – com o projecto da nova sede da Liga, no Porto. Tanta gente se retorceu!

Todos estes factos são apenas exemplos que comprovam que as teorias centralistas são passadas à prática, sempre que o poder da capital se sente, mesmo que minimamente, beliscado. E como admirarmo-nos com os atrasos sucessivos de uma regionalização que, quase todos dizem louvar, mas, a prática demonstra, quase todos fogem dela como o diabo da cruz?

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