Maratona do Porto desclassifica 128 atletas por atalharem caminho

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A Runporto desclassificou hoje 128 atletas que cruzaram a meta na 16.ª edição da maratona do Porto sem terem percorrido a totalidade do trajeto, numa medida pioneira em Portugal que procura desmascarar uma tendência mundial.

“Enquanto responsável pela prova não estou rigorosamente nada arrependido. Até aqui fomos razoáveis, mas este ano decidimos dar uma pedrada no charco e desclassificar seja quem for. Dois deles são do meu clube, o Clube de Veteranos do Porto, pelo que não estive com pejo nenhum”, frisou Jorge Teixeira, diretor-geral da Runporto, em declarações à agência Lusa.

A empresa nortenha começou por divulgar parte dos excluídos em 16 de novembro, duas semanas após a competição, numa lista publicada no portal do evento que foi sofrendo atualizações até à homologação dos resultados em 06 de dezembro.

Do lote de classificações duvidosas fazem parte 94 federados, 18 estrangeiros e 11 corredores com um tempo de ‘chip’ [tempo aferido pelo dispositivo que atesta as passagens de cada atleta] abaixo das três horas, fixando a melhor marca nas 02:46.20 horas, mais 37.12 minutos do que o vencedor, o etíope Deso Gelmisa (02:09.08).

Com 26 anos de experiência na organização de provas de atletismo, Jorge Teixeira aguardou pelo investimento em câmaras de vigilância nos 14 pontos intermédios de controlo para confirmar uma tendência notada “há muito tempo”.

O ‘clique’ surgiu durante a prova realizada em 03 de novembro entre Porto, Vila Nova de Gaia e Matosinhos, quando o dirigente reparou no uso irregular de um dorsal feminino por um atleta masculino, contrariando a regra da intransmissibilidade do ‘kit’ de participação.

“A primeira reação é de indignação, mas ainda não apareceu nenhum desclassificado a justificar-me que tinha feito a maratona toda. Não considero que seja a lista dos batoteiros, mas deu para causar surpresa. Fazem todos os estratagemas possíveis e imaginários para se enganarem a eles próprios, mas não nos enganam”, advertiu.

Entre alguns exemplos, constitui exclusão correr menos quilómetros do que os 42,195 regulamentares para favorecer marcas pessoais, repartir a distância olímpica por vários estafetas ou usar dorsais e ‘chips’ alheios em prol do desempenho num escalão etário.

“Temos os melhores ‘chips’ do mundo, mas também falham e só é classificado quem levar o dorsal pregado ao peito. Mas há também quem corte a meta sem dorsal. Em 2020 teremos viaturas com megafones a convidar esses atletas a saírem da pista”, adiantou.

À parte das atitudes premeditadas, existem irregularidades não intencionais, como quem desiste e passa na meta para registar um tempo, além daqueles que procuram ajudar colegas de treino durante a prova sem dorsal.

“Os atletas que vão ao lado deviam denunciar isto no momento, mas nada dizem. É legitimo que alguém ajude, mas então que se inscreva. Numa corrida de ciclistas a estrada é só para quem compete e não há bicicletas de passeio”, ilustrou Jorge Teixeira.

Representando uma ninharia num universo de 5.490 inscritos e 3.762 finalizadores, cada resultado foi investigado por três elementos da Runporto, desenhando um “processo moroso” que atestou a “seriedade e honestidade” do evento portuense, portador do nível de bronze da World Athletics (Associação Internacional de Federações de Atletismo).

“As outras corridas são mais pequenas e fáceis de controlar. Sendo a maratona uma prova de excelência, é aí que tem de configurar a verdade e achamo-nos no direito de minimizar e moralizar este problema. Ainda bem que a linha de metro não está próxima do trajeto, senão havia muitos mais desclassificados”, atirou.


Futuros desclassificados da maratona do Porto podem enfrentar processos-crime

A organização da maratona do Porto equaciona banir e instaurar processos-crime aos atletas desclassificados que atalharem os 42,195 quilómetros regulamentares nas próximas edições da prova, adiantou hoje à agência Lusa o diretor-geral da Runporto.

“No próximo ano tenciono fazer uma repreensão, avisando que em 2021 proibiremos todos os desclassificados de se inscreverem durante um ano nas nossas provas. Se durante estes três anos houver reincidentes, equacionaremos a possibilidade de mover processos-crime, caso esta matéria configure um crime de fraude”, referiu Jorge Teixeira.

Debruçada em travar “com coragem” a onda de resultados duvidosos na distância olímpica, a empresa nortenha desclassificou 128 atletas que cruzaram a meta sem terem cumprido a totalidade do percurso na 16.ª edição da maratona do Porto.

“Neste momento não farei mais do que isto. Não sei se um homem correr com dorsal de mulher dá prisão em Portugal, mas noutros países dá. Estes atletas cortam a meta e levantam tudo aquilo a que um dorsal que passa a meta tem direito”, observou o dirigente da Runporto, organizadora de 20 corridas por ano.

Ao contrário de outras latitudes, o assunto era tabu por cá, mas Jorge Teixeira pretende apertar a malha a uma sociedade “sem cultura desportiva”, recordando que alguns corredores já foram condenados a prisão por atitudes idênticas na maratona de Londres.

Numa era em que as tecnologias multiplicam audiências por cada indivíduo, o psicólogo Jorge Silvério defende que as “motivações intrínsecas” de um atleta querer ganhar a si próprio antes de derrotar os outros “são as melhores”, embora nem sempre seja assim.

“Há a vontade de ganhar misturada com a encenação de outra personagem, criada nas redes sociais, que nem sempre corresponde à realidade. Depois não se quer dar parte fraca, porque correr uma maratona implica um enorme esforço físico e mental, nem todos estão preparados e às vezes escolhem a via mais fácil”, reconheceu à agência Lusa.

Aplaudindo a posição tomada pela Runporto, o embaixador do Plano Nacional para Ética no Desporto avisou que as “reações de indignação” dos desclassificados não legitimam que “valha tudo” para obter resultados, esperando que outras organizações sigam o exemplo.

“Não havia essa tradição, mas as pessoas têm de se preocupar em tentar perceber o que aconteceu e, se houver razões, não voltarem a ter estes comportamentos. Estas medidas são relevantes e é importante que haja algum tipo de penalização, para que o desporto seja mais um veículo de promoção de valores e não tenha o efeito contrário”, aconselhou.

Numa edição “imaculada” e afortunada pelo “bom tempo”, Jorge Teixeira admitiu “não ter sido possível” controlar a afluência de excluídos às artérias de Porto, Vila Nova de Gaia e Matosinhos, sob pena de exigir “quase um polícia por corredor”.

“Em Londres há 84 quilómetros de grades cheias de gente a aplaudir nos dois lados, o que intimida qualquer atleta que queira entrar a meio do percurso. Não tenho isso por cá e as cidades pedem-nos para montar e desmontar o mais rápido possível”, comparou.

A solução passa por agir em conformidade com a evolução de mecanismos que registam o progresso dos corredores, embora o ex-maratonista acredite que a publicação dos desclassificados permitirá suplantar a participação registada em 2019.

“Estamos a ganhar muitos mais apaniguados. Quero que as pessoas venham ao Porto sabendo que há uma organização que zela pelos que completam a prova e condena quem não a fez pelos mais variados motivos. Procuramos ser os mais perfeitos possíveis, embora um evento de rua tenha muitas variantes que podemos não controlar”, admitiu.

Por LUSA

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