André Silva relembra a sua passagem pelo Salgueiros e a estreia pelo FC Porto
André Silva concedeu uma entrevista ao Diário de Notícias, onde falou do ínicio da sua carreira e formação no SC Salgueiros e FC Porto
Lê a entrevista na íntegra:
Como é que o futebol entra na sua vida?
Com 6 anos, os meus pais puseram-me a jogar futebol, mas pelo meio houve uns problemazitos. Eu jogava sempre na equipa acima e o meu pai acabou por me pôr a experimentar outros desportos. Pratiquei hóquei, karaté e natação, mas apaixonei-me logo pelo futebol…
Numa entrevista ao Porto Canal revelou que os seus pais o puseram no futebol porque era uma criança egoísta e precisava de um desporto de equipa…
Se calhar os meus pais tiveram razão e conseguiram o que queriam, que o futebol ajudasse a pôr o egoísmo de lado. Ou então julgaram-me mal [risos]. Há coisas que me contam e que eu não me recordo, mas com certeza de que tinham razão. Parece que eu tinha uma PlayStation e passava tardes inteiras a jogar, enquanto os meus primos e o meu irmão estavam a tarde toda a olhar para mim à espera da vez deles para jogar e que nunca chegava [risos]. Era o dono da PlayStation.
E na escola? Gostava de estudar ou o recreio era a parte melhor?
Nos intervalos jogava futebol, mas sempre gostei de estudar. Eu adorava Matemática e Educação Física. Era rápido a raciocinar e a fazer contas. Adorava fazer a tabuada e fazia-a em todo o lado. É verdade que em miúdos aprendemos as coisas mais rapidamente e para mim foi uma boa base para o futuro. Só não gosto é de fazer contas nos apuramentos. Isso está fora de questão…
Era então bom aluno. Quando decidiu que o futebol era o seu destino?
Já na primária era competitivo, queria ser o mais rápido a acabar os testes e era o que tinha melhores notas. Na escola competia com um amigo para ver quem era mais rápido e tinha melhores notas. Sempre quis ser um dos melhores da turma. Depois as coisas acabaram por se complicar por causa do futebol e das seleções e já não conseguia acompanhar o ritmo. Passei muitas noites a estudar, mas acabei por baixar um pouco, mas sempre com notas razoáveis.
Fui jogar para o Salgueiros com o meu primo e a partir daí o futebol tomou conta da minha vida. Já não era como jogar na escola com os colegas de turma. Via jogadores a fazer coisas que eu não era capaz e isso deixou-me mal, nada confortável. Não era capaz de dar mais de três toques na bola, por exemplo, e havia colegas que até malabarismos faziam. Isso fez-me querer evoluir e superar as minhas dificuldades. Passei a competir comigo mesmo para ser o melhor jogador. Foi assim que me fiz futebolista.
Foi no Salgueiros que ganhou a alcunha de Deco. Hoje ainda faz sentido esta alcunha?
Ele também jogou no Salgueiros e houve uma altura em que o treinador resolveu dar nomes de grandes futebolistas aos jogadores da equipa e perguntou-me qual era o meu preferido. Eu disse Cristiano Ronaldo, mas ele disse que esse já estava escolhido e que eu ia ser o Deco. Como jogava na posição 10 e gostava do Deco aceitei, mas nunca pensei que a alcunha pegasse. Acho que hoje ainda faz sentido… ainda sou bom a fazer assistências, a encontrar espaços e servir os colegas, embora a minha carreira tenha levado outro rumo e agora seja mais de finalizar e colocar a bola na baliza do que a servir colegas.
Depois vai para o FC Porto. O que se lembra da estreia na equipa principal, na época 2015-16?
Foi num jogo com o Lopetegui e acho que até marquei dois golos. As coisas correram bem, mas era só uma pré-época, embora para mim significasse muito na altura. Depois voltei para a equipa B e só regressei à equipa principal mais tarde. Estreei-me nos jogos a sério no Dragão com uma derrota com o Marítimo, na Taça da Liga (3-1). Não saí com boa cara do campo. Estreei-me mas foi um dia mau.
O que significa o FC Porto na sua vida nesta altura?
O FC Porto é o clube do meu coração. O clube onde aprendi a maior parte das coisas, que me deu carinho, que me deu tudo o que eu precisei para chegar onde já cheguei. E sou muito agradecido ao clube por isso.
Saiu do FC Porto por 38 milhões de euros. Agora o Transfermarkt diz que vale 57 milhões de euros…
Eu não olho muito para o futebol pelo lado financeiro. Eu quero ser feliz, gosto de competir, gosto de ganhar, e sinto-me bem nesse ambiente de treino e jogo, um depois do outro. É isso que me faz evoluir.
A vida em Sevilha está a correr bem?
Está a correr muito bem e tem pernas para andar. Estamos num bom momento. Mudámos a nossa mentalidade. Depois de duas derrotas sentimos que tínhamos de mudar. O nosso objetivo é ganhar e jogamos para isso. Estou contente pelos golos, mas mais pelas vitórias do Sevilha.
Fazer um hat trick na estreia não é para todos. Aliás, ninguém o conseguia há 25 anos na Liga espanhola, igualou um feito de Romário [ex-Barcelona]….
Podem dizer que foi sorte, mas as coisas acontecem por alguma razão. A verdade é que cada pessoa faz a sua sorte e é preciso trabalhar para ela. Não vou dizer que foi por acaso, mas é preciso continuar a trabalhar porque só três golos não chegam…
Neste caso, são já sete golos na Liga espanhola em dez jogos. E dois deles ao Real Madrid…
Sim, é verdade. Esses dois golos ao Real talvez tenham chamado mais a atenção. Não é todos os dias que lhes ganhamos por 3-0. Foi no dia de aniversário da minha mãe e emocionei-me quando marquei. Confesso que nesta altura não esperava ter sete golos e estas vitórias. Sempre fui positivo, mas não imaginava isto.
Podemos contar com o André Silva para o prémio Pichichi [Melhor Marcador da Liga espanhola]?
Claro que todos os avançados gostavam de ser Pichichi, mas há muita liga e trabalho pela frente. Gostaria sim de ser o melhor marcador, mas eu não ponho limites ou objetivos de golos. É muito difícil, mas eu acredito que consigo!
O último foi um golo anulado pelo videoárbitro…
Pois… Esse não conta.
Como é marcar e festejar um golo e ter de esperar quatro minutos, que foi quanto demorou o árbitro a decidir anular o golo que marcou ao Huesca?
É verdade que tira um bocado a magia ao futebol, mas as coisas são como são. O que posso dizer é que acho que a maior parte dos jogadores atuais que começaram a ver o futebol na televisão olham para isso de forma estranha. Eu não serei a pessoa certa para discutir se o VAR é ou não uma mais-valia para o futebol. O que eu espero é que assim como tira magia, acrescente mais justiça.
Apesar da boa forma e do bom desempenho nem sempre foi titular. Mesmo depois de marcar dois golos ao Real, no jogo com o Barcelona foi suplente.
A verdade é que nenhum jogador gosta de ficar no banco. Eu se pudesse jogava todos os jogos e estava lá dentro até o árbitro apitar para o fim do jogo para tentar ajudar a equipa a ganhar. Mas há várias razões para que nem sempre seja assim. Há mais jogadores, há um treinador que escolhe e sabe o que faz, e as escolhas têm dado resultado, pois estamos em terceiro lugar no campeonato e só a dois pontos do líder. O que eu quero é ganhar. Se vencermos e eu marcar fico contente, mas o mais importante é a equipa.
A vida em Sevilha corre-lhe bem, mas no AC Milan, na época passada, nem por isso…
O André do Milan é o mesmo André de Sevilha. Não tenho resposta para o que aconteceu na época passada. Eu não me quero alongar nesse assunto, sou jogador do Milan, mas agora estou cedido ao Sevilha. Desde que vim para aqui senti a confiança de toda a gente. Os adeptos, o treinador e os colegas, todos me têm acarinhado e ajudado a adaptar, e isso vê-se em campo. A chamada afición tem estado comigo. Sendo eu formado no FC Porto e tendo jogado no Dragão, estou habituado a adeptos ferrenhos e com vontade de entrar em campo. E aqui em Sevilha é assim. Sinto que estão com a equipa e só não entram em campo porque não podem ou não conseguem [risos].
Se os golos em Sevilha têm sido importantes, os na seleção também. A sensação que fica quando joga pela seleção é que lhe dá um gosto enorme jogar com aquela camisola…
Desde que o mister Fernando Santos me chamou pela primeira vez que me sinto bem na seleção. Os colegas são um espetáculo, receberam-me muito bem, de braços abertos mesmo. Já me dou bem com todos, conheço-os muito bem e é como voltar a casa. Sou feliz a jogar pela seleção, assim como sou feliz agora a jogar pelo Sevilha.
Tem 14 golos pela seleção. E foi o mais rápido a fazer um hat trick, o mais rápido a chegar aos cinco golos e só dois jogadores (Eusébio e Peyroteo) precisaram de menos jogos para chegar aos 14 golos…
A verdade é que só depois de ler os jornais é que soube disso. Normalmente é assim, ou então porque alguém me diz depois. Quando entro em campo só quero marcar golos. Depois, claro que me sinto orgulhoso e satisfeito com o meu trabalho, mas não olho muito a isso.
A parceria com Cristiano Ronaldo é tudo aquilo que podia pedir ou quer mais?
Se todos os jogadores pudessem pedir o melhor do mundo para jogar com ele na seleção, quem não o pediria? Para mim é muito mais fácil jogar com ele do que sem. A qualidade que o Cristiano tem facilita tudo e a todos. Apesar de termos quase dez anos de diferença damo-nos bem dentro e fora de campo.
O André brilha em Espanha , CR7 brilha em Itália. Não cabem os dois no mesmo campeonato?
[Risos] Claro que sim, como cabemos na mesma seleção. O Cristiano fez a sua opção, eu fiz a minha. Eu achei que era melhor vir para Espanha, ele achou que o melhor para ele era ir para Itália.
Depois daquela final da Taça de Portugal de 2016 [ FC Porto foi derrotado pelo Sp. Braga nos penáltis], em que marcou dois golos, foi difícil não ser eleito para o Euro 2016?
Naquela altura o mister tomou a opção dele, eu como jogador tive de a respeitar. E pelo que aconteceu, o mister acertou na escolha (Eder). Talvez se eu fosse não ganhássemos. Eu senti-me muito feliz com a conquista deles e quando acabou o Europeu festejei que nem um doido.
Então, se estivesse no lugar de Fernando Santos e já sabendo como a história acabava, convocava-se a si ou levava o Eder?
Se eu estivesse no lugar do mister, ele estaria no meu e eu teria de convocar o Eder na mesma…