O Tribunal da Relação de Lisboa rejeitou o pedido de escusa de uma juíza da Comarca de Lisboa sobre o recurso de uma condenação do S. L. Benfica. O clube lisboeta fora condenado ao pagamento de 80 mil euros e à realização de dois jogos à porta fechada pela utilização de material pirotécnico por parte adeptos, mas recorreu.
O recurso judicial da decisão da Autoridade para a Prevenção e o Combate à Violência no Desporto foi parar à juíza Paula Lages. A magistrada pediu escusa alegando que é sócia há 20 anos do Benfica e possui um bilhete de época para os jogos do clube, tal como o marido, juiz desembargador, que também possui acções da SAD das águias.
Os juízes da Relação de Lisboa não viram motivo para dispensar a juíza do processo, mesmo tratando-se do recurso de uma condenação de uma multa de 80 mil euros e a realização de dois jogos à porta fechada, o que a poderia afectar pessoalmente e à família.
O acórdão, consultado pelo Jornal de Notícias, refere que a juíza considera que “as ditas circunstâncias não a impediriam de julgar com imparcialidade”, mas pareceram-lhe suficientemente relevantes para se enquadrar nas excepções previstas na lei para garantir a imparcialidade do julgador.
“Comportamento especialmente escrupuloso e cuidadoso”
Os juízes desembargadores enaltecem esta atitude e frisam o “comportamento especialmente escrupuloso e cuidadoso” da magistrada. Porém, consideram que “nenhuma das circunstâncias referidas pode aportar desconfiança sobre a imparcialidade da Exma. Sr.ª Juiz requerente, porque não assumem a gravidade ou seriedade exigidas para tal”.
A decisão refere que se a preferência clubística “tivesse a potencialidade de abalar a primordial imagem de imparcialidade” do julgador, o magistrado adepto ou simpatizante não podia julgar casos com o seu clube, nem com os clubes rivais. “E, sendo o gosto pelo futebol e a paixão clubística algo de tão disseminado entre nós, mesmo entre os juízes, seria, provavelmente, difícil encontrar um julgador futebolisticamente assético”, consideram.
Analogias com política e religião
Os juízes desembargadores recorreram a algumas analogias com política e religião para sustentar melhor a decisão: “se assim fosse, um juiz que perfilhe uma ideologia política de direita não estaria em condições de julgar uma causa em que interviesse um partido do quadrante político de esquerda, ou um outro que fosse cristão católico não estaria em condições de julgar um conflito entre a igreja de Roma e a comunidade muçulmana ou entre aquela igreja e um particular ateu”.
“Muito menos alguém pensará que um juiz não aplicará uma sanção acessória como a que está em causa nos autos, só porque quer ir ao estádio ver um ou dois jogos de futebol, fazendo assim render o seu investimento num bilhete anual, ou que reduzirá a coima a aplicar para não desvalorizar as ações de que o seu cônjuge é titular, ou só porque gosta muito daquele clube”, sustentam ainda.
Juízes compreendem pedido mas indeferem-no
“Compreende-se o pedido da Exma. Sr.ª Juiz requerente, se tivermos presente o recente alarido por causa de um processo também mediático, que envolveu o Benfica e que alguém, pessoa individual, quis dar a entender que a filiação clubística do julgador influenciou a sua decisão – isso não poderá, todavia, condicionar, nem condiciona, estamos certos, quem tem a elevada responsabilidade de decidir os processos em causa e de apreciar os pedidos de escusa”, concluem os juízes da Relação de Lisboa para indeferir o pedido apresentado pela juíza Paula Lages.